Alvo de busca e apreensão da Polícia Federal e proibido de deixar o país desde a noite de quarta-feira, 20, o pastor protestante Silas Malafaia se consolidou como o principal elo entre Jair Bolsonaro (PL) e a comunidade evangélica da ascensão à queda do ex-presidente em sua relação com o poder.
Por mais de uma década, o presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo tem aconselhado Bolsonaro, inclusive de forma dura, quanto às pautas que o político deve ou abraçar para preservar sua popularidade no segmento, que representa 26,9% da população brasileira.
A extensão da amizade ficou mais evidente nas mensagens trocadas entre os dois, obtidas pela PF, no momento em que o ex-presidente está sob maior pressão, com a proximidade de ser julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) pela acusação de tentar dar um golpe de Estado após as eleições de 2022.
Do culto à delegacia
Malafaia preside uma instituição pentecostal com cerca de 110 templos. Os 47,4 milhões de crentes brasileiros se dividem em mais de 100 mil templos de denominações adventistas, anglicanas, batistas, presbiterianas etc. Suas relações com o poder, no entanto, são relevantes desde os apoios a Leonel Brizola (PDT, morto em 2004) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), até sua primeira eleição presidencial. Ao contrário de outros líderes, ele expõe e defende o trabalho para engajar os fiéis também em crenças políticas.
Em seus cultos, convoca os ouvintes a “ocuparem espaços de poder” e prega contra o “marxismo cultural ensinado nas escolas”. Quanto aos pastores que evitam manifestações públicas sobre política, diz que “se alienaram” na “montanha da religião”, ao contrário do que considera ter feito.
A relação com Bolsonaro não nasceu com o posto de influência. O capitão não é evangélico, mas foi a um culto da Vitória em Cristo acompanhar a esposa, Michelle Bolsonaro (PL), em meados de 2010, e assim conheceu o pastor. A ex-primeira-dama é evangélica e seguidora da igreja, e logo os dois se tornaram amigos.

O pastor durante pregação na igreja Assembleia de Deus Vitória, na zona norte do Rio: Michelle é fiel
Em 2013, Malafaia celebrou o casamento dos dois em uma cerimônia no Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro. Ao documentário “Apocalipse nos Trópicos”, de Petra Costa, disponível na Netflix, o pastor conta que, na cerimônia, o aliado já tinha planos de ser presidente.
Cinco anos depois, o pastor mergulhou de cabeça na empreitada do amigo, que começou desacreditado, com tempo de propaganda e estrutura partidária escassos (filiado ao então nanico PSL, hoje União Brasil), mas terminou eleito. À revista Época, Malafaia disse, na época, que “nenhum líder religioso” se engajou como ele na campanha.
Entre 2019 e 2022, foi recompensado com o status de conselheiro relevante do ocupante do cargo mais alto da República. O que preservou a temperatura da relação, como o próprio pastor gosta de repetir, foi a franqueza no trato. Mesmo com Bolsonaro no Palácio do Planalto, o aliado não se furtava a confrontá-lo quando achava devido.

Bolsonaro ao lado de André Mendonça, hoje ministro do Supremo: indicação bancada por Malafaia
Quando o político teve nas mãos a segunda indicação ao STF, o pastor cobrou que fosse alguém “terrivelmente evangélico” e ameaçou “queimar” o amigo na comunidade religiosa se ele não confirmasse a indicação de André Mendonça, que desde dezembro de 2021 ocupa uma cadeira na corte.
A aliança foi mantida no ocaso de poder de Bolsonaro. Desde que Lula é presidente, em vídeos publicados quase diariamente, Malafaia ataca o STF pelos processos e as lideranças do Congresso — mesmo à direita — pelo que chama de omissão na defesa do ex-presidente. Além disso, financia atos bolsonaristas pelas capitais do país.
Relação de influência
O que as mensagens obtidas pelos policiais revelaram se aproxima da subserviência. Em 11 de julho, depois que o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), nos Estados Unidos desde março para articular reações da Casa Branca ao STF, celebrou a aplicação de tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros, Malafaia disse a Bolsonaro que seu filho era “um babaca inexperiente”, responsável por dar a Lula e à esquerda o “discurso nacionalista”. “Só não faço um vídeo e arrebento com ele por consideração a você“, concluiu.
O ex-presidente submeteu ao crivo do aliado, para aprovação, seu primeiro pronunciamento em resposta ao tarifaço de Donald Trump. “Terminei uma carta agora. Estou digitando e te envio. Aguardo suas observações“, disse Bolsonaro a Malafaia, em 13 de julho.
“A carta está muito boa. Se eu não gostasse te falaria, não sou hipócrita“, respondeu o pastor, antes de aconselhar o ex-presidente a gravar um vídeo com o conteúdo. “Malafaia, eu meto a carta e depois vejo o vídeo, ok?” foi a resposta. Nas horas seguintes, o líder religioso insistiu pela gravação do vídeo, com maiúsculas e exclamações. Bolsonaro se justificou, disse que estava com uma “crise de soluço” e adiou.
No roteiro proposto pelo pastor, Bolsonaro não deveria ter medo de Alexandre de Moraes. “Você tem que citar censuras, centenas de censuras secretas e ilegais a plataformas americanas e a ameaça de multas (…) Pelo amor de Deus. Você não grava nada. Isso aí a gente transforma em IA [Inteligência Artificial] e manda lá para o Donald Trump dizer qual é a ação dele, contra essas ilegalidades do Brasil, que também está atingindo cidadãos e empresas americanas. É isso, minha simples opinião. É apenas opinião de quem quer ver o melhor pra você. Agora, você é que decidde. Você é que faz suas escolhas. Ok?“.
O que compromete Malafaia
Para a PF, o pastor estava atuando “na definição de estratégias de coação e difusão de narrativas inverídicas, bem como no direcionamento de ações coordenadas que, em última instância, visam coagir os membros da cúpula do Poder Judiciário, de modo a impedir que eventuais ações jurisdicionais proferidas no âmbito do STF”.
Malafaia prestou depoimento por cerca de duas horas na sede da PF no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Além do mandado de busca e apreensão, teve o passaporte e o celular pessoal apreendidos e está proibido de se comunicar com o ex-presidente e demais réus pela trama golpista, diretamente ou por meio de terceiros. Moraes ainda determinou a quebra dos sigilos telefônico, fiscal e bancário do pastor.
“Eu sou um líder religioso. Eu não sou um bandido nem um moleque”, afirmou, após o depoimento. “Alexandre de Moraes tem que tomar impeachment, ser julgado e preso”.
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