HMS BEAGLE Darwin, o Original: maquetes e conteúdo interativo no Sesc Interlagos (Crédito:Wanezza Soares)

Charles Darwin esteve no Brasil pela primeira vez em 1832, quando a embarcação em que viajava, o HMS Beagle, cruzou o arquipélago de Fernando de Noronha antes de atracar na Bahia, em 28 de fevereiro. Ficou 18 dias em solo baiano, onde brincou carnaval e sofreu um corte no joelho que o deixou de cama por seis dias. De lá rumou para o Rio de Janeiro, onde passou 93 dias deslumbrado com a natureza e horrorizado com a escravidão – sua família, aristocratas ingleses da região de Shrewsbury, no oeste da Inglaterra, era formada por abolicionistas ferrenhos. O HMS Beagle deixou o Brasil em 5 de julho, seguindo para o Uruguai e Argentina. Em 1835, o navio chegou às Ilhas Galápagos, o ponto alto da viagem.

Quase dois séculos depois, ele está de volta ao Brasil. A exposição Darwin, o Original, que fica em cartaz de 5 de março a 11 de dezembro, no Sesc Interlagos, em São Paulo, é fruto de uma parceria com a instituição francesa Universcience e o Museu de História Natural da França. Por meio de maquetes, aparelhos interativos e conteúdo audiovisual, a mostra celebra a importância do naturalista, biólogo e geólogo inglês, conhecido pela obra A Origem das Espécies, onde apresenta os fundamentos da seleção natural.

A exposição é dividida em áreas temáticas que abordam desde o contexto histórico da sociedade britânica da época, regida pela Rainha Vitória, ao cotidiano no HMS Beagle, navio em que o biólogo cruzou o mundo e fez suas principais descobertas. O núcleo central é batizado de Revolução Darwiniana, onde estão ilustrados os principais detalhes de suas teorias. Em relação à exposição francesa, o único módulo criado aqui é Darwin e o Brasil, que reflete sobre sua experiência em solo brasileiro. O espaço tem curadoria de Leda Cartum e Sofia Nestrovski, do podcast de ciências e literatura Vinte Mil Léguas, cuja primeira temporada é dedicada ao naturalista britânico. “Enquanto as outra salas da exposição usam recursos tecnológicos, optamos por um olhar mais histórico, com a exibição de fósseis e material indígena que Darwin teve acesso na sua passagem por aqui”, afirma Sofia.

As peças foram cedidas pelo Museu de Zoologia e Geociências da Universidade de São Paulo. Segundo Leda, a sala conta ainda com reproduções de obras de pintores naturalistas da época ao som de uma intervenção musical criada pelo clarinetista Luca Raele, que improvisa sobre o canto de espécimes de pássaros brasileiros citados por Darwin nos famosos Diários do HMS Beagle. “Há ainda uma instalação que demonstra o olhar darwiniano sobre os períodos pesquisados. Ele não pensava no tempo como uma linha horizontal, mas como uma forma vertical, com camadas sobre camadas de informações acumuladas”. Criada pelo artista Marcio Ambrósio, a obra em madeira permite acompanhar uma simulação da vida no Brasil de 300 milhões de anos atrás até os dias de hoje.

FAMÍLIA Darwin em Downe, Inglaterra: biólogo teve dez filhos com a esposa, Emma (Crédito:Divulgação)

A exposição é uma boa oportunidade para conhecer detalhes de A Origem das Espécies, obra que consagrou Charles Darwin. Uma edição especial foi relançada em 2018 pela editora Ubu, com nova tradução de Pedro Paulo Pimenta, professor de Filosofia da USP. Para ele, o livro revela influências da passagem de Darwin pelo Brasil, um país que já era visto desde a época dos descobrimentos, no século 16, como um importante campo de coleta para pesquisas sobre a história natural e a biologia.

Em suas andanças pela Mata Atlântica, ele encontrou ossadas de bichos-preguiça gigantes, bem maiores que os animais que observara na floresta. A informação o fez concluir que os seres vivos sofriam transformações ao longo do tempo e que a natureza estava em constante mutação – uma das bases, mais tarde, para a formulação da teoria da seleção natural. “Ele percebeu que alguns indivíduos são mais adaptáveis que outros, e que essa linhagem tende a prevalecer”, explica Pimenta. Segundo o professor, o próprio coronavírus é um exemplo clássico de suas ideias. “A variante Ômicron prevalece porque sobrevive melhor, é menos letal para o hospedeiro.” Darwin continua a nos ensinar, mesmo dois séculos depois.

A evolução em três livros
“Deixe a natureza ser sua professora” dizia o poeta favorito de Darwin, William Wordsworth