Daniela Stirbulov fala sobre o clássico ‘O Mercador de Veneza’, em cartaz em SP

Diretora de teatro assina a montagem de Shakespeare estrelada por Dan Stulbach

Divulgação/Ronaldo Gutierrez.
Daniela Stirbulov. Foto: Divulgação/Ronaldo Gutierrez.

Diretora teatral, atriz e produtora, Daniela Stirbulov assina a direção da peça “O Mercador de Veneza”, o clássico de Shakespeare, estrelada por Dan Stulbach, peça que está em cartaz em São Paulo depois de rodar o Brasil. Ela ainda é assistente de direção e diretora assistente do musical “Jersey Boys”, que encerrou temporada no fim de setembro, e diretora residente e codiretora “Ney Matogrosso – Homem com H”, também atualmente encenado no palco paulistano.

Mestre em Direção Teatral pela University of Essex (Londres), graduada em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo e formada pelo Núcleo Experimental de Artes Cênicas do SESI, Daniela Stirbulov ainda tem em seu currículo trabalhos como diretora dos espetáculos “O mágico di Ó”, “João e Maria – o musical”, “It’s me: Elton”, “Heathers” e “Menino Maluquinho – o musical”. Já em “Tom Jobim Musical” foi diretora assistente, em “Cabaret – Kit Kat Club” foi assistente de direção e diretora residente e em “Silvio Santos Vem Aí – Uma Comédia Musical” foi codiretora e diretora residente .

Com 38 anos de idade e 18 de profissão, Daniela Stirbulov já recebeu prêmios como o ACESC (de Melhor Direção e Melhor Espetáculo por “Loucas de pedra” e APCA de Melhor Elenco por “A odisseia de arlequino”. Ainda foi indicada ao prêmio CENYM de Melhor Direção e Melhor Espetáculo – por “O Mercador de Veneza”.

Em bate-papo para IstoÉ Gente, a diretora falou sobre o novo trabalho e analisou os desafios que as mulheres enfrentam na carreira.

Você é a diretora premiada da peça “O Mercador de Veneza”, estrelada por Dan Stulbach, que vai ficar em cartaz até 2026. Como foi fazer esse trabalho num clássico teatral? Como mulher, o que acrescentou com seu olhar feminino nesse projeto?

Dirigir “O Mercador de Veneza” foi um desafio e um privilégio. Shakespeare exige mergulho, estudo, escuta, correr riscos. O texto é um “vespeiro”, traz temas como poder, dinheiro, preconceito, humanidade. Minha busca foi tornar essa profundidade narrativa acessível para o público de hoje, criando um espetáculo que fosse compreensível e esteticamente contemporâneo. E, acima de tudo, provocar e gerar reflexão, o cerne de Shakespeare.

Quanto ao olhar feminino, eu não sei se existe exatamente um olhar feminino. O que existe é o meu olhar construído pelas minhas experiências, referências e forma de conduzir o processo. Às vezes ele é mais intuitivo, às vezes mais racional. O que me interessa é a escuta, a coerência com a obra e o respeito ao coletivo. Talvez o que se chama de “olhar feminino” seja, no fundo, uma maneira de ocupar um espaço historicamente masculino com consciência e liberdade, e transformá-lo num lugar de todos.

Como você se tornou diretora? Chegou a atuar? 

Sim! Eu comecei como atriz e gosto de estudar atuação (hoje mais nos livros do que na prática). Desde o teatro na escola, já me interessava por entender como tudo funcionava: luz, cenário, movimentação. Na faculdade, escolhi a habilitação em Direção e, desde então, sigo praticando e me aperfeiçoando. Passei um ano em Londres, fazendo mestrado em direção teatral numa universidade que incentivava fortemente a internacionalização. Éramos 25 estudantes de diferentes partes do mundo, o que ampliou meu olhar para a investigação cênica.

Ao longo da minha trajetória, passei por várias funções: operei luz, som, atuei, fiz assistência de direção para diferentes diretores. Esse percurso me deu confiança para assumir meus próprios projetos, compreendendo o lado criativo,  técnico e humano que a função exige.

Aliás, como você observa o trabalho de mulheres diretoras no teatro atualmente? Percebe algum tipo de preconceito em pleno ano de 2025?

A presença feminina na direção teatral tem crescido, mas ainda há um caminho árduo a percorrer. Muitas mulheres, diretoras incríveis, abriram portas para que eu pudesse fazer o que faço hoje. Mas ainda somos poucas. Nos prêmios, seguimos minoria na categoria. Precisamos de mais oportunidades para acumular experiência e inspirar outras mulheres a estarem lá também.

Sobre o preconceito, já passei por situações curiosas. Ouvi frases como: “nossa, achei que seria um homem mais velho na direção”, “você é a diretora? com essa cara de menina?!”, “tão novinha e já é diretora?!”. O machismo está no inconsciente, na ausência do imaginário coletivo da figura da diretora mulher. Uma questão recorrente que enfrento é o tempo que demoram para acreditar que a sua ideia é boa, que o seu olhar tem peso. É um processo de construir firmeza e autoconfiança.

Cada vez mais, mulheres ocupam espaços de criação e liderança, e isso representa uma grande mudança. Sou inspirada por muitas diretoras: Yara de Novaes, Cibele Forjas, Christiane Jatahy, Marianne Elliott, Emma Rice, Anne Bogart, Polly Findlay, Lyndsey Turner, Eline Arbo, entre tantas outras… Tenho dois livros que ficam na minha mesa de cabeceira: Contemporary woman stage directors e Running the Room: Conversations with woman theatre directors. 

Quais seus sonhos profissionais? Pensa em migrar para o audiovisual?

Meu sonho é continuar realizando trabalhos nos quais acredito filosoficamente e artisticamente, e que também tragam dinheiro para pagar minhas contas. Viver de cultura é um desafio. Ter estabilidade, retorno financeiro e prestígio pode parecer o básico, mas infelizmente não é.  Ainda é um sonho ter constância trabalhando com cultura. 

Tenho muita vontade de continuar transitando entre linguagens. O audiovisual ainda me parece um caminho distante, mas algo, quem sabe um dia, a ser alcançado.

O teatro é meu lugar de origem, o espaço do encontro, do risco, do presente. Continuar envolvida em projetos que me desafiem e provoquem, e também entretenimento, é o verdadeiro sonho.

Com um currículo extenso de 18 anos de carreira, quais os próximos trabalhos a caminho?

Se você abrir minha tela de computador, tenho uma lista de projetos e ideias a serem realizados. Alguns em fase de produção, outros só no plano das ideias. Vontade é o que não falta! Sigo entre o teatro musical e o teatro de prosa, para mim, ambos teatro (e também na busca infindável de patrocinadores, produtores, parceiros). Sigo em busca de obras e autores que me provoquem, Shakespeare continua sendo um deles. Quem sabe Macbeth venha aí?