Até recentemente, os cento e trinta e três anos de nossa história republicana guardavam dois acontecimentos da mais extrema abjeção e torpeza – ambos ligados ao cenário da ditadura militar, tão elogiada pelo presidente Jair Bolsonaro e sua trupe palaciana.

O primeiro fato remete-nos a 1 de abril de 1964. Mesmo com João Goulart em território nacional, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República, empossando o então presidente da Câmara Ranieri Mazzilli, que candidamente cedeu o lugar aos militares golpistas.

Moura Andrade era um homem grande e forte, tornou-se pequeno e tímido diante do franzino Tancredo Neves que lhe chamou três vezes de “canalha”. Tancredo quis partir para a briga física, seus pares o contiveram. O amedrontamento de Auro era visível – e risível.

O segundo fato nos leva à reunião do conselho de segurança nacional do governo ditatorial de Arthur da Costa e Silva, no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, na noite de 13 de dezembro de 1968.

Tratava-se da elaboração e decretação do famigerado AI-5, o mais agressivo ato institucional dos usurpadores do poder. Dos vinte e três membros do conselho, vinte e dois votaram a favor, o único que teve a coragem de ir contra o arbítrio foi o vice-presidente e civil mineiro Pedro Aleixo.

Da boca do então coronel e ministro do Trabalho e Previdência Jarbas Passarinho saiu a seguinte sordidez: “às favas, senhor presidente, nesse momento, todos os escrúpulos de consciência”.

Nos últimos dias voltou à cena o antidemocrata e golpista deputado federal Daniel Silveira, amigo íntimo do antidemocrático e golpista presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que até hoje elogia a antidemocrática e golpista usurpação do poder promovida pelos militares em 1964.

O STF condenou Silveira por ataques às instituições democráticas e pela defesa do AI-5, determinou a cassação de seu mandato parlamentar e a decorrente inelegibilidade.

Agiram os magistrados como manda a Constituição Federal e o Código de Processo Penal. A Câmara dos Deputados, dominada pelo oportunista e fisiológico Centrão, permitiu que Silveira se instalasse em comissões da Casa — dera-lha até a Comissão de Constituição e Justiça, mas depois recuou.

A Câmara dos Deputados, nos dias atuais, ao defender e proteger Silveira, ficará para a história republicana como o terceiro ato no teatro da sordidez e abjeção.

A história colocou em lugares bem diferentes a memória de João Goulart e a de Auro de Moura Andrade. Colocou em lugares bem diferentes os ministros que em coro disseram “sim” ao AI-5 e o nome de Pedro Aleixo, que disse “não”.
Da mesma forma, os deputados que acolhem e acobertam Silveira já possuem os seus lugares reservados na história do Brasil. Em cada uma de suas cadeiras já há plaquinhas, e nelas se leem: abjeção e torpeza.