21/06/2024 - 8:00
Dalton Trevisan é conhecido por diversas razões. A principal delas é o seu talento para escrever contos brilhantes — muitos o julgam o melhor contista da literatura brasileira. De forma paradoxal, ele também é famoso justamente por sua imensa aversão à fama. Recluso há anos, não gosta de fotos nem dá entrevistas. É por isso que a imagem que ilustra essa matéria é antiga: não há registros recentes do escritor. Esse comportamento arredio, misterioso, levou seus leitores a lhe apelidarem de “Vampiro de Curitiba”, expressão que batiza seu famoso livro de 1965 e homenageia a cidade onde situa a maioria de suas histórias.
Aos 99 anos de vida, completados na sexta-feira, dia 14 de junho, Trevisan acumula mais de 77 anos de produção literária, Ao todo, escreveu cerca de 700 contos. Celebrado por críticos e leitores, o aniversário traz diversas homenagens e o aguardado relançamento de suas obras.
Já chegaram às livrarias novas edições das antologias Contos Eróticos, Cemitério de Elefantes e Macho não Ganha Flor, com prefácios assinados, respectivamente, por Fernanda Torres, César Aira e Augusto Massi. Há ainda uma coletânea de textos críticos, Dalton Trevisan: Uma Literatura Nada Exemplar, organizado por Fernando Paixão e Hélio de Seixas Guimarães, com ensaios sobre o estilo singular do autor.
Há escritores que são queridos pelo público e desprezados pela crítica, ou vice-versa. Trevisan é adorado por todos.
• Conquistou os principais prêmios literários em Língua Portuguesa, incluindo o Camões e quatro Jabutis, e os relançamentos de seus livros devem levá-lo às listas dos mais vendidos.
• Essa trajetória bem-sucedida começou em 1946, aos 21 anos, quando ainda era estudante de Direito.
• Fundou a revista Joaquim, que publicava traduções de autores como Marcel Proust, James Joyce e Franz Kafka. A publicação foi um ponto de encontro para nomes bem mais experientes que ele, como Otto Maria Carpeaux, Rubem Braga, Mário de Andrade, Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade.
• Entre esses colaboradores, destacou-se Potyguara Lazzarotto, o Poty, seu amigo e principal ilustrador.
O primeiro livro, Novelas Nada Exemplares, publicado em 1959, é uma homenagem satírica a Miguel de Cervantes e suas Novelas Exemplares. Desde então, o estilo conciso e preciso é uma de suas marcas registradas. É capaz de transformar cenas cotidianas em narrativas universais, transformando o banal em profundo, o ridículo em épico.
É como se reunisse, no mesmo texto, a temática obscena de Nelson Rodrigues e a erudição de Guimarães Rosa — tudo isso habitado por almas que vagam pelas ruas de Curitiba, cenário constante de suas histórias.
Humor sombrio
Dalton Trevisan tornou-se conhecido por dar voz a personagens marginais, retratando dramas e criticando a sociedade. Suas frases simples e enxutas têm um quê de epifania. Nas narrativas, costuma transformar o cotidiano em poesia, fazendo com que o leitor participe das cenas como envergonhada testemunha dos enredos. Escreve como um barman que cria novas receitas com os memos ingredientes. O álcool, aliás, é elemento recorrente em seus contos, seja para criar atmosferas lúdicas ou para simbolizar decadência sempre presente ao longo de sua obra.
Há quase dez anos sem lançar nada inédito, trabalhou duro para escolher os 94 contos que formam Antologia Pessoal, outra obra relançada. Organizados de forma cronológica, alterna textos populares e outros menos conhecidos. Impregnados de humor sombrio e erotismo, todos devem ser sorvidos lentamente. Direto do exílio voluntário em sua própria casa, Dalton Trevisan continua a enriquecer a literatura brasileira com seus contos brilhantes.
Grandes nomes das narrativas curtas no país
Machado de Assis
Conhecido por seus romances, o autor também deixou sua marca de gênio em contos como “Missa do Galo”, “A Causa Secreta” e “A Teoria do Medalhão”, entre outros.
Rubem Fonseca
Avesso ao sentimentalismo e dono de um estilo enxuto, o escritor carioca é um narrador de situações extremas, marcadas pela violência e pelo erotismo.
António de Alcântara Machado
Influenciado pelo modernismo, publicou o clássico Brás, Bexiga e Barra Funda (1927). Inovador, incluiu notícias de jornal e letras de músicas numa prosa ousada e original.