Até pouco tempo atrás, os bilionários costumavam colecionar obras de arte como uma forma de investimento seguro. Alguns até apreciavam exibi-las nas comemorações que promoviam em suas residências, como uma forma de mostrar cultura e poder. A novidade é que eles agora as levam para o mar, submetendo-as a perigos até então impensáveis no mundo da arte, como tempestades, naufrágios e pirataria.

Essas raridades embarcam em iates e veleiros de luxo extremo para figurar como vedetes diante de convivas selecionados. A moda de exibir arte a bordo ganhou impulso com o aumento e a sofisticação das embarcações, que atingem até 170 metros de comprimento. Como os iates se tornaram a segunda mansão de bilionários — xeques, banqueiros e oligarcas russos —, parece-lhes natural que levem consigo as coleções mais queridas.

Museólogos alertam para o perigo que correm as obras de arte nessas condições. A historiadora inglesa Pandora Mather Lees e a museóloga Ana Galán Pérez, presidente da Associação de Conservação da Espanha (ACRE), denunciam riscos. O detalhe, segundo elas, é que certas telas, painéis, instalações e esculturas têm status de patrimônio cultural oficial e, por consequência, são submetidas a leis e regulamentações rígidas em relação a exportações ilegais. Isso para não mencionar o risco que as seguradoras assumem ao colocá-las a bordo e os problemas ambientais, como umidade, maresia e descuidos de passageiros e tripulantes.

LOUVRE FLUTUANTE O príncipe herdeiro saudita Mohamed Bin Salman (ao lado) tem o hábito de exibir a tela “Salvator Mundi”, atribuída a Leonardo da Vinci, para seus convidados em festas no iate Selene, que singra o Mediterrâneo (Crédito:PHIL WALTER/FETHI BELAID)

Pandora, que trabalha como consultora de exposições em embarcações, afirma ter visto iates com mais de 800 obras de arte cujo preço é bem maior do que a própria embarcação. “Há superiates com coleções melhores que as de alguns museus nacionais”, disse ela ao jornal El País. “Se a aparência externa dos barcos é discreta, os interiores exibem cada vez mais luxo e vaidade.

Museu no iate

O exemplo mais célebre é o do príncipe herdeiro saudita Mohamed Bin Salman, o MBS. Foi ele que arrematou a tela “Salvator Mundi”, atribuída ao artista florentino Leonardo da Vinci, em um leilão na Christie’s, em Londres, em 2011. Os especialistas tendem a refutar a autoria, mas a tela se tornou uma das obras de arte mais caras do mundo. O príncipe ainda não deu aval para a exibição da obra solicitada pelo Museu do Louvre. Isso não o impediu de pendurá-la em uma das galerias de arte de seu iate, o Selene. Um crítico presente a uma festa na embarcação, em outubro de 2018, no Bósforo, revelou que MBS ostentou a tela poucas horas após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, na embaixada da Arábia Saudita, em Istambul.

Outro colecionador apaixonado é o empresário de petróleo russo Roman Abramovich. Seu monumental iate Eclipse, com 162 metros de comprimento e 13 mil toneladas de peso, é dotado de dois helipontos, duas piscinas, uma discoteca e um minissubmarino, além de um amplo salão de exposições. Os destaques da galeria flutuante são quadros de Lucian Freud e de Francis Bacon, além de esculturas de Simon Allen.

Ganhou ainda mais fama

o amor pela arte do banqueiro espanhol Jaime Botín. Sem conter sua admiração pelo quadro “Cabeça de Mulher Jovem”, de Pablo Picasso, ele o levou a passear por águas estrangeiras. Por desprezar as ordens do Ministério da Cultura espanhol, foi acusado de contrabando.

AMOR À ARTE O banqueiro espanhol Jaime Botín é um dos grandes colecionadores da Europa. Está respondendo por um processo de contrabando (Crédito:Victor Lerena)