Leonardo da Vinci (1452-1519) demorava para entregar encomendas. A inconstância — ou perfeccionismo — enfurecia os mecenas. O mestre florentino se desculpava com altivez: “Os talentosos começam as grandes obras, os trabalhadores as concluem.” Eis uma frase que vale para explicar sua influência permanente.

Leonardo continua a provocar surpresa e até espanto entre pesquisadores e adoradores de arte porque deixou um legado inesgotável, que desperta interesse nas gerações que se sucedem. Esse fato se deu ainda em vida, quando colegas e estudiosos o consideravam uma maravilha da natureza. Era chamado de “polímata” – ou seja, capaz de realizar várias técnicas ao mesmo tempo, de pintor a engenheiro, passando por anatomista. De fato, foi o primeiro homem a ter sido chamado de “gênio”, antes de o movimento romântico consagrar o termo.

Seu maior legado é uma obra em permanente efervescência. Por isso, está mais popular do que nunca. Quem a conhece se torna parceiro dela. Por causa do temperamento insubmisso e dispersivo, o artista dispersou duas centenas de telas e desenhos. Só manteve “Mona Lisa” até a morte. Daí a importância da mostra “Leonardo da Vinci” no Museu do Louvre. Aberta em 24 de outubro, ela deverá arrastar multidões a Paris até 24 de fevereiro de 2020. Trata-se da maior exibição já produzida pela instituição e a reunião mais completa da produção de Leonardo. São 160 obras, entre telas e desenhos, célebres, desconhecidos e descobertos.

AURA Os visitantes passam pela tela “Mona Lisa”: 20 minutos de contemplação para cada um antes de mergulhar na realidade virtual (Crédito:(AP Photo/Thibault Camus)

Os curadores Vincent Delieuvin e Louis Frank levaram uma década para organizar um evento que somasse obras nunca vistas em conjunto com recursos de alta tecnologia. Nos últimos quatro anos, a dupla negociou com colecionadores e governos a cessão de peças tidas por irremovíveis. Depois de muita insistência, o xeque saudita Mohamed bin Salman concordou em retirar da parede de seu iate-museu a pintura “Salvator Mundi”, a pintura mais cara do mundo, que ele arrematou em 2017 em um leilão da Christie’s por US$ 450 milhões. A tela ainda é questionada, mas, mesmo assim, é uma das vedetes da exibição. Outro destaque é o desenho “Homem vitruviano”, em que, a pretexto de estudar as proporções do corpo humano, Leonardo produziu um autorretrato. O governo de Veneza cedeu a obra depois de um processo judicial.

A exposição inclui análises científicas sobre o processo criador de Leonardo. São mostradas reflectografias, produzidas por meio de raios infravermelhos, de telas famosas. A maior delas é a “Mona Lisa”, a obra de arte mais visitada do mundo, que quase nunca saiu do Louvre e ainda intriga os cientistas. Depois de vê-la por segundos, o visitante é levado a penetrar na realidade virtual, que revela as fases do artista em cada estágio do trabalho.

BRASIL A mostra “Da Vinci — 500 anos de um gênio” No espaço MIS Experience, em São Paulo: projeções do autorretrato de Da Vinci (Crédito:Grande Exhibitions)

A contribuição mais relevante dos curadores consistiu em reorganizar o material. Em vez de dispor de obras segundo os locais em que Leonardo trabalhou, adotaram um critério epistemológico: o fato de o artista ter rompido com as regras ideais da Renascença para adotar modelos científicos. “A partir de 1480, introduz em suas obras os estudos de óptica, geometria, matemática , botânica e anatomia”, diz Delieuvin. “Assim, o ápice de sua produção é ‘A última ceia’, de 1490, na qual ele reúne todo o saber que acumulou.” Esta última obra não figura no museu, e sim no mosteiro e Santa Maria delle Grazie em Milão. Trata-se da segunda obra de arte mais procurada no mundo.

Milão e outras cidades homenageiam o mestre com exposições mais modestas. No Brasil, a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro exibe “Alma do Mundo – Leonardo 500 anos”, com 70 peças gráficas. Em São Paulo, o espaço MIS Experience apresenta “Da Vinci – 500 anos de um gênio”, com projeções das obras, mostra produzida em parceria com o Museo Leonardo da Vinci de Roma. Não há itens originais. A bem da verdade, a presença física da obra de Leonardo importa menos que a herança intelectual que deixou e continua a surtir efeito.