MUSEU Fundação Louis Vuitton: projeto arrojado do arquiteto canadense Frank Gehry (Crédito:STRINGER / AFP)

No início do século 20, Moscou respirava arte. Com o apoio do czar Nicolau II, uma geração de mecenas visionários transformou o país em um caldeirão cultural comparável a outras capitais europeias, como Paris, Londres e Viena. Os investimentos dessa elite eram divididos em feudos. Apaixonado por música, Serguei Diaguilev criou os balés russos que deram à luz estrelas como Nijinksi e Anna Pavlova, além dos compositores Stravinski e Prokofiev. Entusiasta das letras, Savva Mamontov reunia artistas na lendária Colônia Abramtsevo, propriedade rural que havia servido de refúgio literário para escritores como Nikolai Gogol e Ivan Turguêniev.

Com as artes plásticas não era diferente. Orientados por marchands franceses, Sergei Tretyakov, Dimitri Riabouchinsky e Sergei Shchukin adquiriram diversos quadros dos ícones da arte moderna, estilo que começava a ganhar fama em Paris. Nenhum deles, no entanto, foi tão longe quanto os irmãos Mikhail e Ivan Morozov, que compraram mais de 250 obras de Monet, Cézanne, Gauguin, Van Gogh, Toulouse-Lautrec, Renoir, Matisse e Picasso, além de esculturas de Auguste Rodin e Camille Claudel — sem contar os mais de 400 quadros de artistas russos, entre eles Vrubel, Malevich, Repin e Serov. Em 1923, essa coleção deu origem ao Museu de Arte Moderna Ocidental/GMNZI, sediado na própria mansão de Ivan Morozov e primeira instituição dedicada ao estilo no mundo. Com a Revolução Russa, o foram confiscadas pelo Estado em 1918. Por considerá-las “burguesas e degeneradas”, o ditador Josef Stalin escondeu o material em uma caverna nos Montes Urais. Após a sua morte, os quadros foram divididos entre o Museu Pushkin e a Galeria Tretyakov, em Moscou, e o Museu Hermitage, em São Petesburgo.
Essa coleção está reunida novamente na exposição “Ícones da Arte Moderna”, em exibição na Fundação Louis Vuitton, em Paris. É a primeira vez que esse acervo, avaliado em 4 bilhões de euros, deixa a Rússia. A exposição reproduz ainda a Sala de Música original da mansão de Ivan Morozov, com sete painéis de Maurice Denis e quatro esculturas de Aristide Maillol.

Parceria internacional

Em 2016, a Fundação Louis Vuitton exibiu sua primeira exposição em parceria com um museu russo. Composta por 270 quadros de Picasso e Matisse, entre outros, a mostra “Sergei Shchukin”, outro mecenas importante, atraiu cerca de 1,3 milhão de visitantes. Em troca do empréstimo, a instituição francesa financiou projetos de restauração de obras de Picasso, Matisse, Gauguin e Van Gogh do Museu Hermitage, assim como programas de conservação de pinturas do russo Mikhail Vrubel, pertencentes ao Museu Pushkin e Galeria Tretyakov.

“Ivan e Mikhail Morozov tornaram-se colecionadores ainda muito jovens, na faixa dos vinte anos, beneficiados principalmente pelo ambiente criado por outros mecenas mais velhos, a exemplo de Shchukin e Tretyakov”, explica Anne Baldassari, curadora da exposição atual. “Os irmãos costumavam ter aulas de pintura com artistas que voltavam a Moscou após passarem temporadas em Paris, comunidade onde eram influenciados pelos impressionistas. Foi daí que nasceu o apreço deles pelo estilo.”

A iniciativa só foi possível graças ao empenho do empresário francês Bernard Arnault, dono do conglomerado LVMH, maior grupo de grifes de luxo do mundo. Para viabilizar o projeto, ele negociou com o presidente francês, Emmanuel Macron, e o líder russo, Vladimir Putin. Ambos gostaram do projeto, apesar de suas divergências em outras áreas. O mundo agradece.