Da Paulista à prisão domiciliar: os 7 de setembro de Bolsonaro

Bolsonaro, então presidente, participa de celebração cívica do 7 de Setembro
Bolsonaro, então presidente, participa de celebração cívica do 7 de Setembro Foto: Agência Brasil

Preso em casa e enfrentando o julgamento em que pode ser condenado por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro (PL) vê o feriado de 7 de setembro ganhar, mais uma vez, um forte caráter simbólico. A ascensão política do ex-presidente deu outro contorno à data de Independência do Brasil e a transformou em sinônimo de mobilização do eleitorado de extrema-direita às ruas do país.

Para o cientista social e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) Jonas Medeiros, todo protesto é sintomático e também contribui para entendermos as disputas de cada campo político”. Uma recapitulação dos 7 de setembro de Bolsonaro, de 2018 a 2025, permite traçar um paralelo com sua jornada política, da chegada ao Palácio do Planalto até o flagelo no Supremo Tribunal Federal.

“A comemoração do dia 7 de setembro tornou-se uma bandeira bolsonarista e também cívico-militar – dado que o governo Bolsonaro foi o governo mais militarizado desde a redemocratização, desde a saída da ditadura militar no Brasil. Então teve, sim, esse uso político e simbólico da data”, disse Medeiros à IstoÉ.

Independência à direita

Os pesquisadores Felipe Nunes e Thomas Traumann escreveram, em “Biografia do Abismo” (HarperCollins, 2023), que os protestos de apoio ao então presidente ganharam força a partir de 2020, quando o governo federal estava em rota de colisão com Legislativo, Judiciário, prefeitos e governadores quanto à gestão da pandemia de covid-19 — Bolsonaro pregava o negacionismo e era contra a adoção de medidas de combate ao vírus.

Para Bolsonaro, todas as manifestações a seu favor sempre seriam ‘espontâneas’ e mostrariam aos adversários que sua capacidade de mobilização popular seguia intacta”, escreveram.

De 2020 a 2022, o feriado da Independência sucedeu crises políticas, às quais o político respondeu convocando apoiadores às ruas. “A sequência se tornou um método de governo: demitir ministros para eliminar divergências internas, usar as redes sociais para provocar adversários, colocar-se como vítima de uma conspiração das elites que não o deixavam governar e, finalmente, convocar manifestações de rua para exibir apoio ao governo. Com Bolsonaro, governar era confrontar”.

Ao subir no trio elétrico da avenida Paulista, em 7 de setembro de 2021, Bolsonaro inaugurou o discurso de que “enfrentava uma conspiração que incluía STF, TSE, a mídia tradicional e até os bancos”, segundo Nunes e Traumann.

A narrativa foi fundamental para manter a base engajada até as eleições de 2022. Na campanha que terminou em vitória do presidente Lula (PT), a aposta nessa ideia fundamentou a elaboração golpista pela qual o ex-presidente pode ser condenado a até 43 anos de prisão pelo Supremo.

Em dois anos longe do poder, Bolsonaro ficou inelegível e, como dito acima, virou réu. De demonstração de força, o apelo às ruas a cada 7 de setembro virou necessidade para o ex-presidente, agora na oposição, e a presença de aliados com mandato — como os governadores de oposição ao presidente Lula (PT) –, ao mesmo tempo, sinal de relevância e “passaporte” para se manter na órbita do bolsonarismo. Mesmo atraindo menos pessoas, os atos de independência da direita radical não perderam o caráter de afronta às instituições.

Os 7/9 de Bolsonaro

2018

Da Paulista à prisão domiciliar: os 7 de setembro de Bolsonaro

Jair Bolsonaro ao ser atingido por facada em Juiz de Fora, em 6 de setembro de 2018 – Foto: AFP

No dia 6 de setembro de 2018, véspera do feriado de Independência e um mês antes das eleições, o futuro presidente foi esfaqueado por Adélio Bispo durante comício em Juiz de Fora, Minas Gerais.

O dia seguinte, 7 de setembro, foi protagonizado pelos desdobramentos do atentado, como a transferência ao Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Ele também deu a primeira declaração após o ataque, quando começou a capitalizar a narrativa de perseguição. Durante o período em que permaneceu internado, o ex-militar presenciou simpatizantes se aglomerarem ao redor do hospital com bandeiras e símbolos de apoio.

“Será que o ser humano é tão mau assim? Nunca fiz mal a ninguém”, disse Bolsonaro em vídeo gravado no hospital e divulgado pelo portal O Antagonista.

2019

Da Paulista à prisão domiciliar: os 7 de setembro de Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro durante o desfile de 7 de Setembro, em Brasília – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O tema escolhido para a celebração da independência em 2019, primeiro de Bolsonaro presidente, foi “Vamos valorizar o que é nosso”. Em uma campanha de larga escala, ele estimulou que as pessoas fossem às ruas em nome do patriotismo e se vestissem de verde e amarelo — início da estética que ficou marcada como símbolo bolsonarista.

“Neste momento, quem puder comparecer no seu município para a ocasião do 7 de Setembro, compareça. O Brasil é nosso. É verde e amarelo”, disse ele em vídeo pouco antes de sair do Palácio da Alvorada rumo ao desfile.

Para Jonas Medeiros, a apropriação de ícones nacionais não é novidade na política mundial. Ao longo da história, diversos grupos ideológicos buscaram capitalizar cores, bandeiras e outros símbolos como marca de campanha.

“Símbolos patrióticos e nacionalistas são mobilizados — seja por governos, regimes, ou movimentos — em praticamente qualquer contexto nacional”.

Então ministros, lideranças como Sérgio Moro (Justiça e Segurança Publica), Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) marcaram presença, além de empresários como o falecido Silvio Santos, Luciano Hang e Edir Macedo. 

2020

Da Paulista à prisão domiciliar: os 7 de setembro de Bolsonaro

Presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia comemorativa do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada – Marcelo Camargo/Agência Brasil

No auge da pandemia de covid-19 e da adoção de uma política negacionista sobre métodos científicos pelo governo federal, o desfile presencial do Dia da Independência foi cancelado. Para dar lugar às celebrações, ocorreram cerimônias menores e virtuais por todo o território do Brasil.

Sem máscara e ao lado de crianças, Bolsonaro seguiu com a tradição e fez aparição pública na data — contra recomendações médicas. A cerimônia, com cerca de 30 minutos de duração, contou com a então primeira-dama Michelle Bolsonaro, vice-presidente Hamilton Mourão, ministros e o presidente do Senado da época, Davi Alcolumbre (União-AP).

2021

Da Paulista à prisão domiciliar: os 7 de setembro de Bolsonaro

Presidente Jair Bolsonaro em meio à multidão de apoiadores em São Paulo, em 7 de setembro de 2021 – AFP

Os desfiles da Independência de 2021 ficaram marcados como ponto de intensificação dos discursos antidemocráticos. Foram realizados dois atos, um em Brasília (DF) e outro na Avenida Paulista, em São Paulo, reunindo mais de 100 mil pessoas. Bolsonaro, naquele momento sem filiação partidária, criticou duramente o Judiciário brasileiro e Alexandre de Moraes, antecipando um embate que ficou conhecido.

“Ou esse ministro se enquadra, ou ele pede para sair. Sai, Alexandre de Moraes! Deixa de ser canalha!”

Durante cerca de 20 minutos, o ex-mandatário ainda questionou a segurança das urnas e pediu “eleições auditáveis”. Chamou o sistema eleitoral de “farsa”, criticou o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Luís Roberto Barroso e afirmou que só sairia da presidência “preso ou morto”.

Em 2021, Moraes era responsável pelo inquérito sobre o financiamento e organização de atos antidemocráticos, pelo qual chegou a determinar prisões de aliados do presidente. Bolsonaro também já era alvo de cinco inquéritos no Supremo e no TSE.

“Não podemos admitir que uma pessoa na Praça dos Três Poderes quer fazer valer a sua vontade. Querer inventar inquéritos, suprimir a liberdade da expressão”.

2022

Da Paulista à prisão domiciliar: os 7 de setembro de Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro participa das celebrações pelo bicentenário da Independência no Rio de Janeiro, em 7 de setembro de 2022 – AFP

No bicentenário da Independência brasileira, Bolsonaro utilizou a data como ato de campanha eleitoral pela reeleição. Um mês antes de ser derrotado por Lula nas urnas, ele realizou uma motociata do Aterro Flamengo até subir ao palanque na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro.

Por pouco mais de 15 minutos, ele teceu críticas ao adversário, o comparou com figuras de esquerda de outros países e enfatizou como sua gestão teria mostrado ao povo brasileiro “as verdadeiras faces” do Congresso e do STF.

“Hoje vocês sabem também como funciona a Câmara dos Deputados, sabem como funciona o Senado Federal. E sabem também como funciona o Supremo Tribunal Federal”.

Entre as companhias do ex-chefe do Executivo estavam o governador Cláudio Castro (PL) e o general Walter Braga Netto — atualmente preso na investigação sobre a trama golpista. Além deles, o filho Flávio Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira (também réu no Supremo).

“Eles [Bolsonaro e aliados] criaram uma espécie de fronteira: “desse lado, é o Bolsonaro presidente, enquanto do outro lado da linha, ele se torna uma pessoa física, que está ‘simplesmente’ fazendo um discurso em direção a um golpe militar. Eles tentaram criar essa distinção espacial de que não havia confusão, argumentando que Bolsonaro teria liberdade de expressão para defender o golpismo fora do desfile oficial”, disse Jonas Medeiros.

Desde 2023: os anos fora do poder

No primeiro ano de governo Lula, o bolsonarismo organizava seus atos sob a sombra do 8 de janeiro, quando manifestantes contrários à derrota do ex-presidente nas urnas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes da República, em Brasília, provocando um repúdio que reuniu lideranças da esquerda à centro-direita.

Os apoiadores de Bolsonaro foram às ruas com menor intensidade e, ao contrário do que é esperado em movimentos de oposição, centraram as críticas no STF, e não no ocupante do Palácio do Planalto.

No ano seguinte, já com o ex-presidente e aliados sob investigação pela Polícia Federal e às vésperas de serem denunciados pela PGR (Procuradoria-Geral da República), mais esforços foram movidos e 45,4 mil pessoas se reuniram na avenida Paulista, principal ponto de manifestações, segundo o monitoramento da USP (Universidade de São Paulo).

O 7 de setembro da direita radical era também um “pedágio” para candidatos às prefeituras que pleiteavam o eleitorado do ex-presidente — faltava menos de um mês para o primeiro turno das eleições municipais. Na capital paulista, por exemplo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) subiu ao trio elétrico em busca de reforçar o apoio tímido de Bolsonaro; já o ex-coach Pablo Marçal (PRTB), seu principal desafiante à direita, foi barrado.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cumpre prisão domiciliar e usa tornozeleira eletrônica

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cumpre prisão domiciliar e usa tornozeleira eletrônica

Neste domingo, Bolsonaro não sairá de casa, onde está preso desde 4 de agosto por descumprir medidas cautelares impostas por Moraes e aguarda uma provável condenação pela trama golpista bater à porta.

O martírio jurídico do ex-presidente abastece aliados e apoiadores e é pauta central de atos marcados para dezenas de capitais do país. Sem Bolsonaro, seus filhos, esposa, governadores e parlamentares ficarão responsáveis por discursar em oposição ao STF e pedir que o Congresso aprove um projeto de anistia ao ex-presidente e demais responsáveis pela suposta tentativa de ruptura.