Era dentro de um flat em Moema, bairro nobre de São Paulo, que William Ali Chaim aguardava ansioso o telefonema que vinha do Rio de Janeiro. “Orra, meu irmão, não podia ter uma ligação melhor que a sua”, vibrou naquele 28 de outubro de 2014, dois dias após o segundo turno das eleições presidenciais. Do outro lado da linha, o homem de sotaque carioca dava a senha da encomenda que logo chegaria à porta do imóvel alugado. “Vamos matar o ‘comprimido’ que é cinco e da ‘salsa’ eu te mando três, entendeu?”

Passados quase cinco anos do pleito marcado por um megaesquema de corrupção, investigadores da Lava Jato ainda estão tentando decifrar códigos com os quais Chaim demonstra ter familiaridade. Ex-militante petista e corretor de imóveis, o empresário de 55 anos é apontado como o principal emissário dos pagamentos de caixa 2 da Odebrecht para campanhas do PT. Seu nome é o mais citado nas planilhas de entrega de dinheiro e seu número foi o mais discado pelos doleiros.

Arquivos da transportadora de valores que executava os pagamentos da Odebrecht indicam pelo menos 31 entregas de dinheiro a Chaim entre setembro de 2014 e maio de 2015, no valor total de R$ 22 milhões. A maior parte dos repasses está vinculada ao codinome “Feira”, atribuído por ex-executivos da empreiteira ao casal João Santana e Mônica Moura, marqueteiros de campanhas petistas.

Apesar dos indícios surgidos desde a delação da Odebrecht, em abril de 2017, Chaim só caiu na teia da Lava Jato em novembro de 2018, quando foi preso na 56.ª fase da operação acusado de receber R$ 2,9 milhões da construtora OAS em nome de outro publicitário ligado ao PT, Valdemir Garreta, de quem é amigo. Segundo a denúncia, o dinheiro foi desviado da construção de um prédio da Petrobrás em Salvador (BA), conhecido como Torre Pituba, e teria como destinatário um ex-presidente da Petros, fundo de pensão dos funcionários da estatal. Na época, a Petros disse colaborar com as investigações.

Na Superintendência da PF no Paraná, Chaim admitiu ter recebido “encomendas” e feito algumas “entregas” a pedido de Garreta, mas disse que não sabia o que havia dentro dos pacotes nem quem eram os destinatários. Menos de um mês depois ele pagou fiança de R$ 60 mil e foi solto por decisão da juíza Gabriela Hardt. A substituta do ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública) na 13.ª Vara Federal de Curitiba entendeu que não ficou provado que Chaim permanecia na atividade criminosa.

‘Potência’

No caso da Odebrecht, porém, as ligações feitas a Chaim por funcionários do doleiro Álvaro José Novis, responsável por providenciar os pagamentos da Odebrecht no Rio e em São Paulo, sugerem que o operador do PT tinha ciência do que havia dentro dos pacotes entregues no flat de Moema. O Estado teve acesso a 74 gravações telefônicas feitas entre junho de 2014 e maio de 2015. Os áudios revelam uma “programação extensa” de “encomendas” e uma intimidade de Chaim com os agentes envolvidos na operação, chamados por ele de “irmão”, “meninos” e “potência”.

No dia 26 de setembro de 2014, durante uma conversa com Márcio Amaral, funcionário do doleiro, Chaim chama atenção para diferença de valores entre o que estava escrito e que de fato havia no pacote. “Olha, os dois pacotes vieram escrito 250 e a comanda deles vieram escrito 250. Um pacote veio com 250 e um pacote com 200”. Amaral responde: “Faz o seguinte, fica com o conteúdo e esses malotinhos externos dá para eles levarem (…) Mas daqui a pouco eu vou mandar a diferença aí”.

Pouco mais de um mês depois, em 30 de outubro, Chaim também questiona valores que teriam sido entregues. “Tá meio esquisito aqui. Os caras vieram fazer uma visita… é 1.250 (…) não tô entendendo”. O funcionário do doleiro explica que a entrega havia sido dividida em duas: “O que eu fiz: três de cinco, quinze. Duas de cinco, dez. Dá 2.5. Eu dividi 2.5 em dois. Dá hoje e amanhã, entendeu?”.

Nas planilhas do doleiro e da Odebrecht aparecem nessa data cinco pagamentos de R$ 500 mil vinculados aos codinomes “Feira” e “Extra”. “Então metade é da primeira-dama e metade é do nosso amigo?”, pergunta Chaim, referindo-se aos codinomes atribuídos a Mônica Moura e João Santana. “Isso, exatamente”, confirma Márcio Amaral. Em acordo de delação premiada, o casal de marqueteiros confessou ter recebido os repasses de caixa 2 da Odebrecht em 2014.

‘Operacional’

Descrito como militante “dedicado” por antigos amigos do PT, partido ao qual foi filiado entre 1988 e 2011, Chaim nunca escondeu ser um quadro “operacional” do partido. Corintiano nascido na Vila Formosa, bairro da zona leste paulistana, iniciou a militância política no Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), grupo guerrilheiro de esquerda fundado na década de 1960 para combater o regime militar. Passou pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) até aportar no PT, onde cresceu pelas mãos de José Dirceu e Rui Falcão, de quem foi assessor na Assembleia Legislativa no fim da década de 1990.

Antes já havia trabalhado em empresas públicas de ônibus nos governos petistas de Diadema e São Paulo, na gestão Luiza Erundina (1989-1992). A experiência e os contatos o levaram para a iniciativa privada, onde chegou a comandar duas viações do segundo maior grupo de ônibus que operava na cidade de São Paulo durante a gestão Marta Suplicy (2001-2004).

Nesta época, protagonizou uma crise dentro do governo petista que resultou na queda do então secretário de Transportes, Carlos Zarattini. Hoje deputado federal, ele foi acusado por Chaim de beneficiar empresas de ônibus com repasses irregulares. O processo se arrastou durante oito anos e foi arquivado por falta de provas. Desde então, Chaim se afastou da vida partidária, mas nunca deixou a política.

Aos investigadores, disse atuar 16 anos no mercado de flats – era o dono da unidade onde recebeu as encomendas da OAS entre 2011 e 2013 -, e entregou à PF uma relação de locação de apartamentos que teria feita a executivos das empreiteiras Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht e UTC, todas envolvidas na Lava Jato.

Fazenda

Neste período, diversificou os negócios investindo em criação de gado em uma fazenda de 1,7 mil hectares no município de Paranã, no Tocantins, a mais de 300 km da capital Palmas, onde se entregou em novembro, quando teve o pedido de prisão decretado pela Justiça do Paraná.

Um mês antes de ser preso, tentou uma cadeira na Assembleia. Candidato a deputado estadual pelo Avante nas eleições de outubro, teve apenas 1.617 votos. Segundo petistas, a mudança para o novo partido ocorreu por influência do ex-deputado federal Cândido Vaccarezza, que também deixou o PT e não conseguiu se eleger para a Câmara.

Desde quando estremeceu as hostes petistas acusando antigos aliados em 2002, Chaim é um nome evitado na legenda. A atuação dele nos bastidores de campanhas políticas e a recente descoberta de sua ligação com operadores das empreiteiras acenderam o sinal de alerta caso ele venha a fazer uma delação.

“Meu amigo, deixa eu falar uma coisa, faz 20 anos que nós fazemos isso junto. Não tem preocupação, mas manda os caras pra cá para resolver isso logo”, disse ele a um funcionário de doleiro em abril de 2015.

Procurado pela reportagem, ele e sua advogada afirmaram que só se manifestam nos autos. A Odebrecht diz colaborar com as investigações. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.