A necessidade humana de expressar sentimentos e opiniões através da arte vem de longa data, desde as pinturas rupestres. Além de letras e desenhos singelos, há a força da arte engajada, quando os assuntos políticos e sociais caem na boca do povo e se tornam de extrema relevância, principalmente em momentos de crise. São intervenções capazes de informar e influenciar as pessoas para determinada direção. No Brasil, na década de 80, por exemplo, os cartazes afixados nos muros e nos postes foram a forma mais direta de comunicação, com forte apelo político, utilizados para criticar a ditadura militar, exigindo eleições diretas e a redemocratização. Com o passar dos anos, as artes visuais se modernizaram e o projetor de imagens, um instrumento de trabalho usado na produção cinematográfica, está permitindo agora, reproduzir em larga escala, conteúdos políticos ou mesmo de informações na guerra contra a pandemia do coronavírus. Mas, o que está tomando dimensões maiores, é o uso dessa tecnologia na mobilização contra o governo Bolsonaro. As projeções das mensagens estão tomando conta de fachadas de prédios e até copa de árvores em praças públicas das grandes cidades brasileiras e também no exterior.

SINISTRO Projeção no Congresso Nacional demonstra o desprezo de Bolsonaro às vidas perdidas durante a pandemia: arte fúnebre (Crédito:Divulgação)

A mensagem informal que deu o ponto de partida para o início dos grupos organizados para a geração das projeções nas capitais brasileiras, especialmente São Paulo, partiu de publicações nas redes sociais em meados de março, logo no início da quarentena: “Você está sendo convidado a participar do #projetemos”. A primeira projeção nos prédios de São Paulo aconteceu no dia 21 de março: “Bolsonaro acabou!”. Essa mensagem reproduziu a fala de um imigrante haitiano que na ocasião se encontrou com o presidente Bolsonaro e protestou contra a falta de medidas do governo para conter o avanço da pandemia. A partir daí, três amigos se uniram para desenvolver a plataforma e projetar as mensagens de informação e protesto. A cientista social Bruna Rosa, 34, se associou aos Vjs, como são denominados os artistas que trabalham com projeções em grandes dimensões, Spencer, 35, e Mozart Santos, 47, e passaram a organizar um grupo que já conta com a participação de quase 200 pessoas em todo o Brasil para desenvolver o projeto de comunicação por projeções públicas. A eles se juntaram designers, ilustradores, artistas plásticos, poetas e jornalistas, sempre com a intenção de informar a população sobre a crise da Covid-19 e também manifestar indignação contra a inércia do governo na tomada medidas efetivas no combate à doença. “O presidente Bolsonaro é um antagonista. Ele expressava suas opiniões antidemocráticas, mas só não abordava os temas sobre a pandemia”, diz Rosa.

PERSEGUIÇÃO BOLSONARISTA

Para decidir sobre os temas a serem projetados nos prédios de São Paulo, o grupo realiza reuniões diárias de pauta por volta das 9h. Durante o dia, os textos são preparados e as imagens são projetadas à noite, sempre em locais de onde um maior número de pessoas possa observar das janelas de seus apartamentos. Afinal, as pessoas ainda estão recolhidas em suas casas por conta da quarentena. Os assuntos prediletos são aqueles que ocupam a mídia durante o dia e a inspiração vem das notícias veiculadas pela imprensa e reproduzidas pelas redes sociais. “Nossa pandemídia é multifacetada, os grupos se dividem em editorias e trabalham em vários nichos”, conta Mozart. “A gente viu que, por causa da pandemia, não poderíamos sair de casa, mas nossos canhões de luzes podem tomar conta das cidades”, acrescenta. As imagens são projetadas em fachadas de prédios ou até em copa de árvores, transmitindo as mais variadas mensagens: “Fique em casa. Lave as mãos. Use máscara. Vidas negras importam. Fora Bolsonaro”.

Os Vjs perceberam que a exposição das respostas do presidente à crise, como a polêmica expressão “E daí?”, na qual Bolsonaro fez pouco caso do elevado número de mortes pelo coronavírus, desagradaram grupos bolsonaristas, mas eles não se intimidaram. “Vieram duas pessoas aqui na nossa porta e perguntaram por que estávamos projetando frases do presidente sobre a Covid-19, quando elas estavam convencidas de que tudo não passava de uma gripezinha”, conta Mozart. No Rio de Janeiro, “quando a gente projeta fotos da vereadora Marielle em algum local público, sempre aparece alguém para projetar imagens de raio na testa dela”, conta Rosa. Para executar o trabalho das projeções dessas mensagens, segundo eles, não é preciso ter equipamentos potentes. “Há um projetor simples, como uma engenhoca criada pelo Vj Spencer, composto por uma lupa, uma lanterna, um cano de PVC e um espaço em que se coloca as imagens a serem projetadas. Basta uma boa ideia para as projeções tomarem conta do mundo”, explica Rosa. A nova forma de protesto tem tudo para se manter mesmo após a pandemia.

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Informação

A iniciativa de projetar mensagens referentes à pandemia nos muros e nas fachadas de prédios ajuda a conscientizar a população