Os funcionários do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos (SP), se depararam com uma cena inusitada na pausa para o almoço: um grupo de crianças brincando nos jardins do centro tecnológico. Eles se surpreenderam ainda mais ao saber que a garotada estava ali para participar de um curso dado exclusivamente para engenheiros qualificados. Seria quase impossível acreditar, porém, que aquela turma construiria um satélite que entrou em órbita na segunda-feira 16. Mas foi o que aconteceu com um projeto de matemática e ciências feito por alunos da Escola Municipal Presidente Tancredo de Almeida Neves, em Ubatuba (SP). O equipamento foi lançado ao espaço por um foguete japonês e, desde a semana passada, envia dados científicos e uma gravação dos estudantes de volta para a Terra. “Quando a escola veio com essa proposta do satélite, encaramos como brincadeira”, diz um dos membros da equipe, Rafaela Daniol Torres, hoje com 17 anos. “Mas a coisa foi ficando séria e quando ele foi lançado da Estação Espacial Internacional eu finalmente percebi a importância do nosso trabalho.”

LABORATÓRIO aluna trabalha em satélite criado na escola pública.
LABORATÓRIO Aluna trabalha em satélite criado na escola pública.

A odisseia do pequeno satélite brasileiro, que mede poucos centímetros e pesa menos de 1 quilo, começou em 2010, quando o professor de matemática Candido Osvaldo de Moura buscava novos meios de estimular seus alunos, que tinham aversão a números e cálculos. Numa nota de revista, o educador leu que uma empresa americana vendia por US$ 8 mil kits desses equipamentos, com direito a lançamento espacial. O professor buscou patrocinadores para financiar a compra e especialistas para ministrar o treinamento. “Como havia um grau de dificuldade para montar o kit, ele bateu à porta do Inpe”, afirma Walter Abrahão dos Santos, coordenador do projeto no instituto.

MUDANÇA NA ROTINA

A construção do satélite revolucionou a rotina dos alunos envolvidos no projeto. Com 10 anos na época, Rafaela trocou as aulas de balé clássico, que freqüentava diariamente, pelas mesas de laboratório. Já sua colega Maryanna Conceição Silva, hoje com 18 anos, havia repetido o ano anterior e odiava matemática. Depois disso, se tornou uma das melhores da sala e pretende cursar engenharia elétrica numa universidade pública. “Antes eu só jogava futebol e vivia na rua. Vi no projeto uma oportunidade de melhorar”, diz Maryanna. “As classes aconteciam duas vezes por semana, mas eu ia todos os dias.”

Com o passar dos anos, o trabalho foi avançando, a ponto de os estudantes viajarem para os Estados Unidos e Japão como parte do programa. No entanto, o voo prometido pela empresa americana não saía do chão. Foi a vez de a Agência Espacial Brasileira (AEB) entrar em cena. Eles decidiram financiar o lançamento por meio de uma bolsa inicialmente desenvolvida para estudantes universitários. O satélite seria lançado por um foguete japonês alugado pelo governo brasileiro, via Estação Espacial Internacional, ao preço de US$ 100 mil, o que aconteceu no fim do ano passado. Agora, o equipamento foi finalmente liberado da plataforma espacial (leia quadro). “Ficamos muito entusiasmados quando soubemos do projeto”, diz o tecnologista da AEB Pedro Kaled. “Surpreendeu bastante esse trabalho sendo feito por alunos de escola, mas justamente por isso foi mais fácil de aprovar.”

Estudantes fazem curso ministrado no Inpe. Iniciativa durou seis anos e envolveu viagens ao exterior
PARCERIA Estudantes fazem curso ministrado no Inpe. Iniciativa durou seis anos e envolveu viagens ao exterior

Em Ubatuba, as classes presentes na construção do satélite fizeram recentemente um simulado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e seus resultados foram muito melhores do que os do restante do colégio. Dezenas de alunos participaram diretamente do projeto e seis deles (cinco dos quais meninas) foram os principais responsáveis pela montagem. Mas o número de estudantes envolvidos chega aos milhares se forem incluídas atividades temáticas e até mesmo um curso de Ciência e Tecnologia – todos criados em decorrência do programa. O colégio já está planejando um segundo satélite para ser lançado em dois anos. E os demais envolvidos disseram estar abertos a apoiar iniciativas semelhantes. “A escola serve pra botar o estudante em contato com o mundo”, afirma o professor Moura. “Como é que ele vai saber se quer ser engenheiro da Nasa? O meu aluno sabe.”

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