Tudo parecia apenas uma brincadeira, mas foi crescendo e virou uma discussão séria sobre sociedades controladas e vigilância permanente dos indivíduos. De uma hora para outra, o Desafio dos 10 anos (#10YearChallenge), que estimula as pessoas a colocar duas fotos suas lado a lado, uma de 2019 e outra de 2009, virou uma espécie de armadilha digital e criou uma paranoia de uso indevido de dados nas redes sociais. Quem chamou atenção para o assunto foi a escritora especializada em tecnologia Kate O´Neill, num artigo na revista Wired. Segundo ela, ao postar as fotos comparativas de dois tempos os usuários talvez estejam facilitando o desenvolvimento de softwares de reconhecimento facial pelo Facebook e pelo Instagram e definindo padrões de mudança na aparência que podem tornar as máquinas cada vez mais eficientes para reconhecer rostos e prever como a pessoa irá envelhecer. A atividade fez pensar se ingenuamente os usuários estão ajudando grandes corporações a melhorar seus algoritmos para identificação biométrica e progressão de idade.

Padrões de envelhecimento

“O Desafio dos 10 anos é só um jogo, mas ajuda a gente a pensar sobre o que acontece com o que publicamos nas redes sociais e mostra que aquilo que postamos pode ser utilizado para várias finalidades, inclusive para desenvolver algoritmos mais complexos”, afirma o advogado Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) e professor da UERJ. “Quando discutimos reconhecimento facial com foco em padrões de envelhecimento estamos pensando na identificação das pessoas no futuro, com uma nova aparência, e isso pode ter grande valor tanto para empresas como para governos e forças de segurança”. O problema é que os usuários das redes sociais não sabem que tipo de uso sua informação biométrica poderá ter. Eles estão expostos e não há transparência suficiente das empresas para saber como seus dados estão sendo usados e serão usados no futuro.

O Desafio dos 10 anos pode estar ajudando grandes corporações a melhorar seus algoritmos para identificação biométrica

CONTROLE Novas ferramentas de reconhecimento facial permitem a vigilância permanente dos indivíduos (Crédito:DAVID MCNEW / AFP)

O próprio Facebook, que usa tecnologias de reconhecimento facial desde 2010, derrubou a tese conspiratória sobre o Desafio dos 10 anos dizendo que se trata apenas de uma “tendência divertida” que os usuários começaram por conta própria, sem o envolvimento da empresa. Para os defensores das tecnologias de reconhecimento facial, elas podem ser muito úteis para identificar criminosos ou pessoas desaparecidas. Mas seus críticos dizem que permitem a vigilância em massa com viés totalitário e podem ter efeitos indesejados que ainda não conseguimos entender. De um modo geral, com o argumento da segurança, elas vem servindo para aumentar o controle dos governos sobre os indivíduos. A China, por exemplo, tem se destacado no desenvolvimento dessas tecnologias. Deputados e senadores da bancada do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, estiveram na China no início do mês para conhecê-las com o objetivo de implantá-las no Brasil.

O reconhecimento facial é uma tecnologia que desperta interesse crescente e que será fundamental para a implantação de um novo tipo de capitalismo que a professora emérita da Harvard Business School, Shoshana Zuboff, chama de “capitalismo de vigilância”. Ela argumenta que os serviços oferecidos pelo Facebook e pelo Google representam uma forma de mercado nova e problemática que se baseia em prever e influenciar o comportamento humano. “Há um novo tipo de mercado que comercializa futuros comportamentais”, diz Zuboff. Ela destaca que a maioria de nós não tem plena consciência de que plataformas como Facebook e Google podem rastrear e analisar todas as nossas buscas, localização, vídeos, fotos, postagens e até sinais de pontuação para melhor influenciar seus usuários. Isso quer dizer que não existe mais brincadeira nas redes sociais. E o jogo está cada vez mais sério.

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