A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) condenou antigos administradores e membros dos conselhos de administração e fiscal da Brasil Telecom (BrT) por irregularidades na contratação da Kroll Associates e outras duas consultorias, no início dos anos 2000. No processo, que se arrastou por nove anos na CVM, a comissão de inquérito da autarquia concluiu que o real objetivo da investigação realizada pela Kroll a pedido da diretoria da tele era beneficiar o Opportunity, do empresário Daniel Dantas, na época em disputa com os fundos de pensão, a Telecom Italia e o Citigroup pelo comando da BrT.

Presidente da companhia à época, Carla Cico foi multada em um total de R$ 1,1 milhão, sob a acusação de desvio de poder. A executiva foi quem assinou o contrato com a Kroll, a Nera e a FTI Consulting. O então diretor financeiro da Brasil Telecom, Paulo Pedrão Rio Branco, terá que pagar multa de R$ 400 mil por assinar a contratação da Nera. A defesa dos ex-diretores vai recorrer ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.

O colegiado puniu com advertência os ex-conselheiros de administração Daniela Pfeiffer, Eduardo Seabra Fagundes, Marcos Nascimento Ferreira, Maria Amália Delfim de Melo Coutrim, Ricardo de Barros, Rodrigo Andrade e Francisco Ribeiro Magalhães Filho e os ex-conselheiros fiscais Gilberto Braga, Jorge Michel Lepeltier, Luis Fernando Cavalcanti Trocoli e Luiz Otavio Nunes West por descumprirem seu dever de diligência, falhando na fiscalização dos atos dos administradores.

A justificativa da BrT para acionar a Kroll era buscar munição para disputas judiciais contra a Telecom Italia, à época acionista do grupo. Segundo Carla Cico, a empresa foi chamada a apurar prejuízos causados à BrT pela atuação da Telecom Itália na aquisição superfaturada da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT) e por criar obstáculos para a BrT atuar como operadora do Serviço Móvel Pessoal (SMP). Os danos à companhia foram calculados em mais de US$ 1 bilhão.

As investigações da Kroll, entretanto, acabaram extrapolando para denúncias de espionagem ilegal não só de empresas, mas também do governo do PT a pedido de gestores da empresa de telefonia. O episódio ficou conhecido como Caso Kroll e acabou redundando em 2004 na Operação Chacal, em que Carla Cico foi acusada pela Polícia Federal de espionar o governo e a Telecom Italia.

Em 2005, os fundos de pensão e o Citigroup venceram a queda de braço com o Opportunity e conseguiram destituir a administração liderada por Cico da empresa. A nova diretoria eleita denunciou à CVM supostos atos ilícitos da gestão anterior, como a contratação da Kroll, escritórios de advocacia e as consultorias Nera e FTI Consulting, que custaram milhões à BrT. A CVM abriu um inquérito para apurar a atuação dos ex-administradores.

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O relator do caso na CVM, diretor Pablo Renteria, condenou Carla Cico por desvio de poder, com base em um dos cinco relatórios da Kroll analisados no inquérito. O documento tratava dos prejuízos que o Opportunity teria sofrido em função das ações da Telecom Italia e deixava claro que o acionista estava sendo beneficiado pelos serviços da Kroll, pagos pela BrT. No relatório, a Kroll informou que estava “conduzindo uma ampla análise dos danos sofridos pelo Opportunity e os resultados serão disponibilizados oportunamente. No entanto, uma análise preliminar baseada em uma ‘abordagem de mercado’ de alto nível indicaria que os danos estariam em um intervalo entre US$ 957 milhões e US$ 1,5 bilhão”.

“Não acredito que Carla Cico tenha exercido suas atribuições no interesse da companhia. Ao contratar a Kroll, ela procurou atender, além dos interesses da Brasil Telecom, também os do Opportunity”, disse o relator durante o julgamento.

Para a comissão de inquérito, houve falha dos conselhos de administração e fiscal no dever de fiscalizar a atuação da diretoria no Caso Kroll. Em 2004 o conselho de administração entendeu a deflagração da Operação Chacal como um sinal de alerta e convocou uma reunião com Carla Cico para esclarecer a relação com a empresa.

Para Renteria, os conselheiros erraram ao se contentarem apenas com os esclarecimentos prestados pela diretora-presidente da BrT, principal investigada da Operação Chacal, quando poderiam ter optado por analisar os relatórios da Kroll. Em lugar de uma prova direta, o conselho preferiu se ater ao depoimento, prova superficial e indireta. “Carla Cico era a principal suspeita da prática de irregularidades e era a pessoa em quem os conselheiros menos poderiam confiar. Eles não tinham direito de confiar nessas informações”, disse o diretor.

A acusação ao conselho fiscal foi semelhante, com a busca de esclarecimentos restrita a uma única reunião com o diretor jurídico da empresa, diretamente subordinado à presidente, e sem pedido de detalhamentos sobre a contratação e sobre a evolução dos trabalhos realizados pela Kroll e as outras empresas.

A pena dos conselheiros foi atenuada pelo fato de a ação penal resultante da Operação Chacal ter sido trancada por se basear em provas nulas apresentadas por um ex-funcionário da Telecom Italia. Além disso, Renteria lembrou que pelas datas dos documentos, mesmo que tivessem analisados os relatórios da Kroll em 2004, quando ouviram Carla Cico, possivelmente os conselheiros ainda não teriam encontrado os elementos que demonstravam a atuação da empresa em favor do Opportunity.


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