A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) começa a pavimentar o caminho para instituir no mercado de capitais brasileiros o open broker, a exemplo do que o Banco Central está fazendo com o open banking, sistema de compartilhamento de dados de clientes entre instituições financeiras hoje em consulta pública. A partir de um estudo feito em parceria com o Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), o órgão regulador está provocando intermediários do mercado a testar o uso de tecnologias como o blockchain para reduzir custos e aumentar sua eficiência operacional.

A ideia é dar os primeiros passos para desenvolver um cadastro único de investidores no mercado e possibilitar a portabilidade de dados cadastrais e custódia de ativos, hoje inexistente. Migrar de corretora hoje muitas vezes é um desafio comparável ao de cancelar um serviço de TV por assinatura. Assim como no open banking, a premissa básica é que os dados pertencem ao usuário, que deverá permitir expressamente sua transmissão a terceiros.

“Para o investidor o principal benefício é o ganho de autonomia. Desburocratizar é a palavra chave”, diz Bruno Luna, chefe da Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA) da CVM, responsável pelo estudo. Em contrapartida, para as prestadoras de serviço do mercado a tendência é que o open broker gere redução de custos e de riscos.

Segundo estimativa da CVM, somente para cumprir regras associadas à gestão cadastral, gestão de ‘suitability’ (adequação ao perfil do investidor) e de monitoramento de pessoas expostas politicamente (PEPs) os custos anuais dos participantes do mercado chegam a R$ 13,1 milhões, sem contar os custos em relação à eficiência operacional.

Entre as propostas do estudo estão aprimoramentos pontuais nas normas vigentes, inserção da CVM numa agenda ampla de regulamentação/compartilhamento de dados e a regulamentação do modelo de utilities (prestação de serviços por terceiros). “Em paralelo ao movimento do open banking, a CVM quer ir na direção do open broker. Cada um (CVM e BC) no seu quadrado regulatório, conversando quando necessário”, resume o analista da ASA, Rafael Hotz.

Outro ponto crucial é o estímulo à elaboração pelo mercado de uma proposta de prova de conceito (POC) para o cadastro de pessoas expostas politicamente (PEPs) com uso de Distributed Ledger Technology (DLT), nomenclatura formal para o blockchain (uma espécie de “livro contábil” virtual que permite o registro e envio de transações de ativos).

A criação de um banco de dados único experimental de PEPs – um dos itens do cadastro de investidores – seria um teste para no futuro ampliar sua escala a todo o conjunto de informações. As normas de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo exigem que os intermediários façam uma espécie de due dilligence para verificar e sinalizar se seus clientes são PEPs, caso dos políticos.

A provocação da CVM é para que se crie uma rede privada e permissionada de blockchain para compartilhamento desses dados entre um grupo de corretoras. “Os indivíduos dialogariam cada um com sua corretora e elas trocariam informações entre si nessa rede privada”, explica Hotz.

Os técnicos da ASA não veem impedimento regulatório para que isso seja feito de imediato. Apesar disso, é mais provável que intermediários ou prestadores de serviço prefiram desenvolver o projeto sob o amparo do sandbox – ambiente regulatório experimental, hoje em fase de audiência pública na CVM, em que serão concedidas autorizações temporárias para que as empresas possam testar modelos de negócio inovadores em atividades regulamentadas pela xerife do mercado.

Regulação

Do ponto de vista regulatório, a ASA indica que a CVM poderia incluir na Instrução 505 – que estabelece as normas para operações com valores mobiliários – o aval para que o cadastro único seja gerido por um terceiro que não seja entidade administradora, como a bolsa, ou representativa do mercado, a exemplo da Anbima. Ao longo do caminho, outra hipótese seria que a própria B3 prestasse o serviço de compartilhamento autorizado, já que sua central depositária concentra as informações passadas pelas corretoras.

Finalmente, a ASA aponta que a CVM poderia exigir que o mercado forneça a infraestrutura necessária para viabilizar a transferência automatizada de ativos financeiros entre corretoras. A operação de alteração de custódia é uma das campeãs de reclamações de investidores no órgão regulador do mercado de capitais. “Seria como um TED em que você transfere dinheiro de um banco para outro”, explica Luna.

Todas essas sugestões ainda teriam que entrar na agenda regulatória do órgão regulador do mercado de capitais.