Cúpula do Congresso entra em rota de colisão com Planalto

A cúpula do Congresso está em rota de colisão com o governo Lula. Dias depois de o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), afirmar que será um “novo Davi” para o Palácio do Planalto, há uma nova crise na praça.

Alcolumbre manifestou revolta com a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de indicar o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PI), tem dito, por sua vez, que está sendo desrespeitado pelo líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ).

O caldo entornou de vez depois de Motta dizer, nesta segunda-feira, 24, que não vai mais se relacionar com Lindbergh. O presidente da Câmara está furioso com o fato de líderes e dirigentes do PT irem às redes sociais para criticar sua condução dos trabalhos na Casa de Salão Verde.

Na sua avaliação, Lindbergh estimula essa iniciativa para “esconder falhas na articulação política” do Palácio do Planalto.

A gota d’água para Motta estourar foi a crítica feita pelo líder do PT e por integrantes do governo às mudanças no projeto de lei antifacção. A proposta foi enviada à Câmara pelo Ministério da Justiça e acabou aprovada com várias mudanças no texto original.

Lindbergh criticou o fato de Motta ter indicado o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), secretário da Segurança Pública de São Paulo, para relatar o projeto antifacção. O texto foi rebatizado por Motta e Derrite como Marco Legal do Combate ao Crime Organizado.

A escolha de Derrite também foi vista pelo Planalto como um mau sinal porque o deputado é braço direito do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), cotado para desafiar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2026.

“Se há uma crise de confiança na relação entre o governo e o presidente da Câmara, isso tem mais a ver com as escolhas que o próprio Hugo Motta tem feito”, disse Lindberth, ao chamar o colega de imaturo. “Ele que assuma as responsabilidades por suas ações”.

Na outra ponta, Alcolumbre ainda não digeriu a indicação de Jorge Messias para o STF. “Vou mostrar ao governo o que é não ter o presidente do Senado como aliado”, afirmou ele, a portas fechadas, depois de saber que Lula confirmara a escolha do advogado-geral da União sem comunicá-lo antes. O presidente do Senado defendia a indicação de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a Corte.

Alcolumbre foi duro com o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), que é amigo de Messias. No seu diagnóstico, Wagner foi desleal com seus pares ao fazer “campanha” para Messias antes mesmo de sua indicação.

“Não me procure mais”, avisou Alcolumbre, irritado com o resultado da conversa entre Lula e Pacheco, na noite do dia 17. Lula tentou convencer Pacheco a ser candidato ao governo de Minas, mas o convidado foi categórico: disse que vai encerrar sua carreira política em janeiro de 2027.

De início, Wagner amenizou o mal-estar, mas, depois que Alcolumbre confirmou o rompimento, admitiu o problema. “Espero que esse mal-estar do Davi comigo termine logo porque queremos distensionar o ambiente”, argumentou o senador. “Acho que Lula vai chamá-lo para conversar”.

Logo depois do anúncio de Messias, o presidente do Senado começou a desengavetar projetos que aumentam os gastos públicos, além de propostas que incomodam Lula.

A pauta-bomba prevê mudanças no Orçamento para estabelecer um calendário obrigatório de pagamento das emendas parlamentares no primeiro semestre de 2026, ano eleitoral.

Alcolumbre também vai criar dificuldades para o governo na CPI do INSS e tirou da prateleira o projeto de lei complementar que regulamenta a aposentadoria especial dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias.

A proposta foi aprovada pela Câmara em outubro, mas repousava no Senado, a pedido da equipe econômica, porque seu impacto fiscal ultrapassa os R$ 20 bilhões em 10 anos.

Agora, Alcolumbre afirmou que vai pautar essa votação para esta terça-feira, 25. Já na quinta, 27, está marcada uma sessão do Congresso para apreciar mais de 50 vetos de Lula a projetos que passaram pelo crivo do Legislativo, entre eles o que afrouxa normas do licenciamento ambiental.

O governo já espera derrotas nos dois casos, mas pretende recorrer ao STF quando o texto aprovado trouxer impacto fiscal, a exemplo do que fez em julho, após o Congresso derrubar o decreto que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Na tentativa de acalmar os ânimos, Jorge Messias divulgou no domingo uma nota com vários elogios a Alcolumbre. O advogado-geral da União disse que pretende conversar com cada um dos senadores para “ouvir atentamente suas preocupações” com a Justiça.

“Iniciada a primeira semana após a minha indicação, sinto-me no dever de me dirigir ao Presidente do Senado Federal, senador Davi Alcolumbre, para oferecer-me ao seu escrutínio constitucional”, escreveu Messias na nota. “O faço também por reconhecer e louvar o relevante papel que o presidente Alcolumbre tem cumprido como integrante da Casa, que agora preside pela segunda vez, atuando como autêntico líder do Congresso Nacional, atento a elevados processos decisórios, em favor de nosso País”.

Sem citar o nome de Messias, Alcolumbre respondeu com outra nota, bem mais enxuta e em tom protocolar. No texto, ele destacou que o Senado cumprirá, “no momento oportuno”, a prerrogativa que lhe confere a Constituição de conduzir a sabatina sobre a indicação feita pelo presidente da República para o STF.

“Cada Poder da República atua dentro de suas próprias atribuições, preservando o equilíbrio institucional e o respeito aos ritos constitucionais”, assinalou Alcolumbre.

Diante do ambiente de conflagração no Congresso, Jaques Wagner admite que é melhor deixar a sabatina de Messias para o ano que vem. Para ser nomeado, o advogado-geral da União precisa ter o nome aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e, depois, passar pelo crivo do plenário.

Pelos cálculos de Alcolumbre, se a votação fosse hoje, Messias não conseguiria mais do que 31 votos, quando necessita do apoio de, no mínimo, 41 dos 81 senadores.

Nos bastidores, ministros afirmam, porém, que o presidente do Senado está agora usando a indicação de Messias como pretexto para obter vantagens.

Sob reserva, dois auxiliares de Lula disseram ao Estadão que o escândalo do Banco Master envolve expoentes do Centrão e integrantes do grupo político de Alcolumbre.

A operação da Polícia Federal que prendeu o banqueiro Daniel Vorcaro, na esteira da liquidação do Master, acendeu um sinal de alerta no Congresso.

O fundo de pensão Amapá Previdência (Amprev), por exemplo, investiu R$ 400 milhões no Master. Foram quatro aportes em letras financeiras do banco e, embora a instituição afirme que os pagamentos aos servidores e aposentados estão assegurados, esse tipo de investimento não tem cobertura do Fundo Garantidor de Crédito.

O diretor-presidente da Amprev, Jocildo Lemos, foi indicado por Alcolumbre para o cargo. O advogado Alberto Alcolumbre, por sua vez, é irmão do presidente do Senado e conselheiro fiscal da entidade.

Em conversas com aliados, o senador disse que os fatos foram divulgados de forma “distorcida”, com o objetivo de desgastar sua imagem e associá-lo à corrupção. Alcolumbre alega, ainda, que o Banco Central avalizou todos os investimento da Amapá Previdência no Banco Master.