O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está em Honduras para participar da 9ª Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), marcada para esta quarta-feira, 9.
No encontro, os países-membros procuram realizar debates sobre o atual cenário político-social e articular possíveis alinhamentos entre nações intracontinentais.
Por não incluir as potências Estados Unidos e Canadá, a cúpula se desenha como um organismo de destaque para as relações latino-americanas — em especial pelas represálias recém impostas por Donald Trump contra o resto do globo, que têm estimulado os ânimos internacionais.
O que é e como surgiu a Celac
A comunidade foi formada em 2010 e consolidou a primeira organização para discussões e acordos políticos entre as nações latinas sem participantes da América do Norte. “Havia um predomínio de governos populistas — a chamada ‘onda rosa’ — e propensos à autonomia em relação aos EUA na América Latina, enquanto a Casa Branca estava concentrada em conflitos externos, como a guerra no Iraque”, disse Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo), à IstoÉ.
No movimento mencionado pela professora, despontavam na região governantes como este mesmo Lula, à época no final de seu segundo mandato, Cristina Kirchner, na Argentina, e Hugo Chávez, na Venezuela, em uma guinada à esquerda que distanciou os interesses políticos latinos e os da Casa Branca, representados pelo bloco da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Ao contrário de blocos econômicos, como o Mercosul (Mercado Comum do Sul) e a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), a Celac não tem poder organizacional para formalizar acordos comerciais ou territoriais — a isenção de tarifas alfandegárias ou livre circulação entre as nações participantes, por exemplo. “Não há decisões vinculantes na Celac, que se alocou em uma agenda secundária, para promover a discussão de assuntos políticos em um contexto de convergência ideológica”, afirmou Bressan.
Sem as bases institucionais ou recursos de outras organizações multilaterais, a comunidade se fragilizou justamente por uma nova onda política, em que presidentes liberais, conservadores e mesmo radicais foram eleitos em países como El Salvador, Argentina e Brasil — entre 2019 e 2022, com Jair Bolsonaro (PL) — e o interesse mútuo em construir uma agenda alheia aos desejos norte-americanos se dissipou. Prova disso foi o esvaziamento — em pautas e representação — da oitava cúpula da Celac, realizada em março de 2024 entre Kingstown, São Vicente e Granadinas.
Quais países participam
- Antígua e Barbuda;
- Argentina;
- Bahamas;
- Barbados;
- Belize;
- Bolívia;
- Brasil;
- Chile;
- Colômbia;
- Costa Rica;
- Cuba;
- Dominica;
- Equador;
- El Salvador;
- Granada;
- Guatemala;
- Guiana;
- Haiti;
- Honduras;
- Jamaica;
- México;
- Nicarágua;
- Panamá;
- Paraguai;
- Peru;
- República Dominicana;
- Santa Lúcia;
- São Cristóvão e Neves;
- São Vicente e Granadinas;
- Suriname;
- Trinidad e Tobago;
- Uruguai;
- Venezuela.
O que deve ser discutido na cúpula
Conforme reportou o jornal O Globo, Lula vê no encontro uma oportunidade de propor iniciativas que unam os governos latinos diante do que considera ser uma “agenda negativa” do presidente dos EUA, Donald Trump, para a região. Pouco afeito às parcerias latinas, o americano tem promovido uma política de tarifas sobre importações com duros efeitos econômicos para os integrantes da Celac.
No dia anterior à conferência, o petista reforçou críticas contra Trump durante um evento em São Paulo. “Eu estou vendo o comportamento do presidente Trump nos Estados Unidos. Não sei o que vocês pensam, mas eu acho que não vai dar certo. […] Um cidadão sozinho acha que é capaz de ditar regras para tudo o que vai acontecer no mundo”, afirmou.
Para além dos impactos econômicos, as medidas anti-imigração do republicano também fomentaram insatisfação em diferentes países latinos, com destaque para Gustavo Petro, presidente da Colômbia, que em janeiro de 2025 chegou a convocar uma reunião extraordinária da Celac a fim de debater as novas políticas imigratórias dos EUA. A conferência, no entanto, foi cancelada por “falta de consenso” entre os países membros – Argentina e El Salvador se alinham às políticas de Trump, o que pode permanecer como empecilho na criação de uma aliança ampla.
Em adição, Petro causou repercussão internacional ao publicar uma carta aberta direcionada a Donald Trump, em que tecia fortes críticas à gestão do republicano. Vale lembrar que a IX Cúpula marca o encerramento da presidência temporária de Honduras e transfere a chefia do evento justamente para a Colômbia de Gustavo Petro.
Segundo Arthur Murta, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, essa convergência ideológica entre grande parte dos países pode ser capaz de reanimar o fôlego da frente latino-americana. “Há quase que um ressurgimento, uma força nova trazida para a Celac, exatamente nessa busca brasileira e latino-americana de construir saídas comuns para a região”.
Mesmo que a Celac seja uma organização comercial com pouca capacidade normativa de criar mecanismos de enfrentamento às políticas estrangeiras, o professor ressalta que a importância da cúpula reside no poder de articulação coletiva.
“A Celac hoje não dispõe desses instrumentos formais, mas é, sem dúvida, um importante fórum deliberativo para que esses instrumentos sejam pensados e debatidos”, explicou à IstoÉ.
Mais do que pautas sobre a gestão dos EUA, a reunião promete debater assuntos como meio ambiente e fome. Entre as metas estão o Plano de Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome da CELAC 2030 (Plano SAN-CELAC 2030) e o Fundo de Adaptação Climática e Resposta Integral a Desastres Naturais (FACRID) da Comunidade.
O presidente Lula pretende, ainda, sugerir que países-membros apoiem à candidatura única de uma mulher, representando a região latino-americana, para o cargo de secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O mandato do português António Guterres, atual ocupante do cargo, termina no ano que vem – quando um novo representante deverá ser escolhido.