Por volta das 10h30, na manhã desta sexta-feira, dia 19 de março de 2021, Jair Bolsonaro ameaçou decretar o estado de sítio no Brasil.

Escrevo às 14h30, quatro horas depois dessa declaração golpista. Até agora, só nomes da oposição se manifestaram. Ninguém mais disse não a Bolsonaro.

O silêncio mais grave é o de Cínico e Sonso, também conhecidos como Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, os presidentes da Câmara e do Senado.

Segundo a Constituição de 1988, cabe ao Congresso, por maioria absoluta, autorizar o presidente a instaurar o estado de sítio. Portanto, Cínico e Sonso têm autoridade constitucional para dizer ao chefe do Executivo: “Não. Um regime de exceção não será instaurado por um segundo no Brasil em 2021. Não será durante os nossos mandatos na Câmara e no Senado que esse retrocesso democrático acontecerá. Cale-se.”

Eles deveriam gritar isso a plenos pulmões do telhado do Congresso. Em vez disso, as últimas palavras que ouvimos deles foram, como têm sido desde o começo de seus mandatos, de contemporização. Lira disse ontem que o país “tem de se unir, sem estar apontando culpados”. Segundo Pacheco, “a situação crítica do Brasil exige a coordenação do presidente da República, ações do Ministério da Saúde e toda a colaboração dos demais poderes, governadores, prefeitos e instituições”.

Há muito tempo eles sabem que o Presidente da República é o maior obstáculo à “união” e às “ações coordenadas” nesta pandemia. Como a prioridade de ambos é morder a carcaça do Estado com aquela boca gigantesca do Centrão, eles se fazem de desentendidos. Por isso são Cínico e Sonso. Será que nem essa nova fala vai tirá-los dessa inércia?

Alguém dirá que Bolsonaro só fala essas coisas para animar os fanáticos que vão encontrá-lo na porta do Palácio do Planalto. Afinal, ele acaba de entrar com uma ação no STF, buscando restringir os poderes dos governadores do Rio Grande do Sul, da Bahia e do Distrito Federal para lidar com a pandemia em seus Estados. Ele também prometeu enviar um decreto ao Congresso, estabelecendo que todas as atividades econômicas são essenciais, o que impediria o fechamento do comércio e dos serviços. Assim, seria forçoso reconhecer que ele está jogando conforme as regras, independentemente de você gostar ou não das medidas.

O problema é que no momento em que uma ameaça de uso das Forças Armadas entra em cena, as regras do jogo já foram rompidas. Uma bota já está pisando no pescoço da democracia. De nada adianta mandar ação para o STF e decreto para o Congresso se, enquanto isso, você diz que o momento de instaurar o estado de sítio “vai acabar chegando”.

A prova de que Bolsonaro não entende nada de democracia está na sua justificativa para tomar essa medida extrema: “É para dar liberdade ao povo. É para dar direito ao povo trabalhar.” Tem algo de errado numa ideia de liberdade que se limita ao direito de trabalhar,

para comer um “pé de galinha” no fim do dia (citando o presidente novamente). Saúde e, em última análise, permanecer vivo, também são direitos.

Mas vejamos o que o estado de sítio significa: restrições ao direito de ir e vir (que provavelmente seriam direcionadas aos adversários do presidente); busca

e apreensão em domicílios (idem); limitação da liberdade de imprensa (idem); suspensão da liberdade de reunião (isso talvez Bolsonaro deixasse passar; para ele, quanto mais aglomerado, melhor); intervenção nas empresas e serviços públicos; requisição de bens de particulares; detenção de cidadãos.

São circunstâncias em que o poder de polícia do governo federal se amplia de maneira extraordinária, tolhendo liberdades e direitos de várias maneiras. Essa é a receita de Bolsonaro para dar… “liberdade ao povo”.

Segundo pesquisas recentes, Bolsonaro tem cerca de 30% de aprovação entre os eleitores. O Congresso acredita que esse número é grande o bastante para torna inviável um processo de impeachment. Seguindo nessa mesma linha, deve-se reconhecer que o apoio de 30% não autoriza Bolsonaro a decretar o estado de sítio contra os outos 70%. Não o autoriza, sequer, a sabotar as medidas de combate à pandemia como insiste em fazer.

Até a manhã de hoje, os caciques do Centrão eram cúmplices silenciosos de um presidente que não se abala com gente agonizando nos corredores de hospitais e com um número de mortes que se avizinha dos 300 mil. A partir de hoje, se nada disserem e nada fizerem, serão cúmplices também da nova ameaça golpista de Jair Bolsonaro.