Algumas obras cinematográficas transcendem a mera narrativa, adentrando os recônditos da reflexão social. Entre elas, está a comédia distópica Idiocracia (2006). Dirigido por Mike Judge (Beavis and Butt-Head, Daria), esse filme despretensioso desvela um cenário desconfortavelmente familiar, diante dos olhos atônitos do espectador — revelando um panorama não tão distante de nossa própria realidade.

O narrador nos apresenta aos protagonistas Joe Bauers (Luke Wilson) e Rita (Maya Rudolph), selecionados para participar de um experimento governamental de criogenia. Ao despertarem em 2505, deparam-se com uma sociedade mergulhada na ignomínia do anti-intelectualismo, onde a estupidez ascende como deidade. A linguagem se deteriorou — talvez um efeito dos politicamente corretos que consideram ofensivo corrigir erros, enquanto a ignorância persiste como uma ofensa maior e mais problemática. É um verdadeiro inferno capitalista onde uma bebida energética substituiu a água, criando uma severa escassez de alimentos, e o vencedor do Oscar é um filme de um homem coçando a bunda – apenas isso e nada mais. O típico cidadão é patriota e adora armas.

Isaac Asimov, disse: “O anti-intelectualismo tem sido uma ameaça constante, alimentado pela falsa noção de que a democracia significa ‘que a minha ignorância é tão boa quanto o seu conhecimento”’. A idiocracia brasileira teve seu ápice – espero que tenha sido o ápice – com a eleição de Bolsonaro à Presidência, mas mesmo ele estando inelegível os ignorantes que o elegeram continuam sendo uma ameaça ao futuro do Brasil – por isso precisamos nos manter vigilantes.

Nossa sociedade já chegou a um ponto em que líderes políticos são eleitos por sua capacidade de entreter o público, não por suas habilidades; a ciência é ridicularizada, e a negação dos fatos torna-se a norma; e a disseminação de fake news é alarmante – e isso é absolutamente aterrorizante, para quem possui senso crítico.

Podemos observar o emburrecimento em tempo real, onde o conhecimento é abandonado em favor do entretenimento vazio, e a opinião pública é moldada por memes em vez de argumentos. Apesar de ser preciso um pouco de diversão descompromissada para não sermos sufocados pelas tragédias mundiais, o desafio é não se alienar completamente.

A película erige-se como um farol de alerta em meio à tempestade da mediocridade. Somos convocados a questionar até que ponto estamos dispostos a permitir que a ignorância floresça em detrimento do saber.

Até que ponto sucumbiremos ao canto de sereia da alienação? Idiocracia nos alerta que apenas desafiando as sombras da ignorância é que poderemos vislumbrar a aurora de uma era que não seja marcada pela absoluta ignorância.