Depois de aprender a gastronomia portuguesa e espanhola na Europa, Edson Leitte, de 32 anos, voltou ao bairro onde cresceu, o Jardim São Luís, no extremo da zona sul de São Paulo, com o objetivo de valorizar a comida da periferia. Ao retornar, Leitte sentiu uma inquietação por trabalhar apenas em restaurantes caros e, por isso, começou a dar aulas de culinária para adolescentes. Também lançou um aplicativo que reúne todos os restaurantes, lanchonetes, bares e padarias da região.

“Eu queria contribuir de alguma forma com as pessoas que, assim como eu, cresceram aqui sem nenhuma oportunidade. Queria mostrar que, da ponte para cá, também existe gastronomia, comida boa que merece ser valorizada”, diz Leitte, que morou por oito anos em Portugal, onde aprendeu a cozinhar.

Em 2006, aos 22 anos, embarcou para Lisboa com um amigo e ¤ 300, porque “não via as oportunidades aparecerem” no Brasil. Sem emprego e visto de trabalho, ele atuou entregando listas telefônicas até que conseguiu uma vaga em um restaurante renomado da cidade, como lavador de pratos. Em seguida, começou a trabalhar de dia como garçom em outro estabelecimento. “Lavava 700 pratos por dia, mas estava atento à preparação de cada uma daquelas refeições e aquilo começou a me despertar.”

A oportunidade para assumir a cozinha de um dos restaurantes apareceu quando as cozinheiras entraram em greve e o dono do estabelecimento pediu ajuda a Leitte. “A única experiência que tinha tido com cozinha até então foi quando trabalhei no McDonald’s aos 17 anos. Pedi ajuda para um amigo, que era chef em outro restaurante, e consegui fazer todos os pratos. Naquele momento descobri o que queria fazer.”

Leitte fez cursos de gastronomia e trabalhou em outros restaurantes de Lisboa, também foi chef em um hospital e um cruzeiro. “Essas experiências foram muito importantes. Eu já sabia que tinha de lidar com as adversidades da vida e apliquei isso na cozinha. No hospital, por exemplo, não podia usar quase nenhum tempero. No navio, tinha de me programar para que nenhum ingrediente faltasse.”

O chef voltou ao Brasil em 2012 para uma cirurgia de hérnia de disco e decidiu ficar. Ele começou a cursar Serviço Social e trabalhava na cozinha de um dos restaurantes do Clube Pinheiros. “Eu vivia correndo entre um compromisso e outro, até que me dei conta da diferença entre esses dois mundos que transitava. Morava e conhecia as dificuldades da periferia, mas cozinhava para pessoas com outra realidade.”

Leitte mandou um currículo para a Fundação Julita, que promove ações socioeducativas para crianças e adolescentes do Jardim São Luís. Ele foi contratado e, hoje, dá aula para 45 jovens de 14 a 17 anos, que aprenderam a fazer pães, trufas de chocolate e refeições completas. Ele também promove oficinas para crianças e pais.

“Não ganho nem de perto a mesma grana de quando trabalhava naqueles restaurantes, mas a satisfação de trabalhar com esses meninos, que tiveram uma infância como a minha, não tem preço”, diz ele. Alguns dos alunos já abriram até o próprio estabelecimento: um deles montou uma hamburgueria no bairro e outros vendem os chocolates que aprenderam a fazer nas aulas.

Aplicativo. Ao perceber a quantidade de boas opções de restaurantes e lanchonetes que já existem pelo bairro e a possibilidade de aumento, Leitte teve a ideia de criar um aplicativo onde os moradores pudessem encontrar todos os estabelecimentos. “São tantas opções, desde o carrinho que vende pamonha até o restaurante com comida gostosa e preço honesto.”

Quem o ajudou a colocar a ideia em prática foi um de seus alunos. Natanael Santos, de 16 anos, aprendeu na fundação a fazer aplicativos e foi quem desenvolveu o programa para o “Gastronomia Periferia” – a intenção é conseguir cadastrar os cerca de 200 estabelecimentos do bairro.

O jovem faz cursos na fundação há um ano e seis meses, mas o que mais gostou foi aprender a cozinhar. “Só quis fazer porque disseram que eu poderia comer coisas legais. Comi muita comida boa, mas o que mais gostei foi ter aprendido”, diz Natanael, que quer seguir a carreira militar, mas vê a culinária como segunda opção.

“O importante é empoderar esses meninos. Eles estão aprendendo algo que podem ou não usar mais para frente, mas sentem que são mais valorizados pela família e pelos amigos por aprender a fazer um pão ou uma sobremesa”, diz Leitte. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.