O Brasil está muito longe de ser um país onde os tubarões sejam de fato uma ameaça, mas a presença desses animais nas praias vem se tornado mais frequente nos últimos tempos, principalmente por causa de alterações ambientais. O estado de Pernambuco é conhecido por ser a região com o maior número de ataques da costa brasileira. Ali, foram registrados 61 dos 101 incidentes já ocorridos desde 1931, no País, segundo dados da International Shark Attack File, do Museu da Flórida. O último deles aconteceu no arquipélago vulcânico de Fernando de Noronha, conhecido santuário ecológico, que tem a maior parte do território em área de proteção ambiental. No fim de janeiro (28), uma menina de oito anos brincava em uma das praias da região, Sueste, um berçário natural destes peixes, quando foi atacada. Socorrida e levada à capital do estado, ela teve a perna amputada.

Longe dali, duas pessoas foram mordidas no litoral paulista, nas praias de Ubatuba e Ilha Comprida, em novembro. São Paulo não tinha incidentes assim desde 2003, de acordo o arquivo especializado da Flórida. Ao todo, foram 11 em toda a costa de São Paulo. Incidentes como esses assustam e causam discussões sobre o possível aumento da população de peixe e consequentemente do perigo de alguém entrar no mar e ser atacado. “As pessoas desenvolveram um horror exagerado desde que Steven Spielberg filmou Tubarão (1975)”, diz Marcelo Szpilman, biólogo marinho idealizador do Aquário Marinho do Rio de Janeiro. O sucesso do suspense do diretor americano criou o mito da fera assassina dos mares, segundo ele. “O tubarão é um peixe importante, que come animais mortos e doentes. Ele mantém o equilíbrio de bactérias no mar, o mesmo que fazem os urubus na terra.” Em suma: não sai atacando gente.

Há especialistas que preferem chamar os incidentes de “trombadas marinhas entre homem e peixe”. É o caso do mergulhador profissional Marco Aurélio Reis, que lembra que o número de turistas vem aumentando nas praias ao longo das décadas. “Ainda vivemos o fenômeno da self. Há muita gente que abusa, que quer tocar no tubarão para fazer a foto e postar na rede social”, diz Reis. Dos 137 ataques ocorridos no mundo, apenas 39 foram provocadas pelo homem. Qual seria a razão dos demais ataques? Szpilman explica que quando o tubarão não consegue identificar a presa com os olhos– em caso de água turva, por exemplo – , ele morde. “Quando sente o gosto e percebe que não se trata de uma presa, larga e vai embora. Trata-se de uma mordida investigatória”, diz o biólogo marinho. Essa é uma situação que acontece muito em Recife, capital pernambucana. Os tubarões entram por um canal turvo, na área de arrebentação de ondas, onde ficam os surfistas. Os especialistas acreditam que a construção do Porto de Suape foi um dos fatores para o aumento dos ataques. A construção aterrou a entrada dos rios Ipojuca e Merepe, onde os tubarões iam se alimentar. Famintos, agora eles caçam na costa. Para piorar a situação, ali há duas espécies mais agressivas, o tubarão-tigre (de 6 m.) e o cabeça-chata (3 m.).

A maior parte das espécies é menor, tem cerca 1 metro de comprimento. Na praia de Boa Viagem, uma das mais turísticas de Recife, há placas que alertam para o perigo dos tubarões. “Mas as sinalizações foram incorporados à paisagem. Elas estão banalizadas”, diz a pesquisadora Rosangela Lessa, do Cemit (Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões), órgão que existe desde 2004 e define as políticas públicas para o tema. Nos EUA, onde ocorreram 47 ataques em 2021, além de alertas constantes à população, as equipes socorristas estão mais preparadas para esse tipo de acidente. A criança brasileira que foi atacada em Fernando de Noronha, foi socorrida inicialmente por um médico que estava na praia. “Precisamos fazer campanhas efetivas para que as pessoas não se exponham tanto.” Ir à praia, segunda ela, não é 100% seguro. “Há riscos quando as pessoas compartilham com a fauna em qualquer lugar do mundo. Por isso, é preciso fazer uma campanha intensa e contínua para garantir a segurança.”

Perigo controlado

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Chegar perto de tubarão é uma atividade possível, mas só em ambiente controlado. Para aumentar o conhecimento da vida marinha e a necessidade da conservação dos tubarões para o equilíbrio do sistema, o Aquário Marinho do Rio de Janeiro tem um grande tanque oceânico. Em 3,5 milhões de litros de água, o público pode nadar com quinze turbarões, entre eles, Donald e Gastão, da espécie cação-mongona ou tubarão-cinza. Eles se alimentam de lagostas, caranguejos e lulas e são bem comuns no litoral paulista. Todos os dias, às 14 horas, os mergulhadores entram com a comida nos taques e o público pode assistir e entender melhor a vida marinha.