Habituados a superar dificuldades, os cubanos reativam seu arcaico, mas eficiente, sistema de “mulas” na ponte aérea Miami-Havana para amenizar o corte das remessas familiares e outras restrições impostas pelo governo Donald Trump.

Com a abertura do aeroporto de Havana em 15 de novembro, o trânsito de pessoas entre Cuba e os Estados Unidos foi retomado após quase oito meses de fechamento por conta da pandemia de coronavírus.

Também se retomou um transporte de dinheiro e de mercadorias vitais para a sobrevivência, ainda mais após o fechamento na segunda-feira (23) da Western Union, o canal formal para envio de remessas por quase 20 anos.

“É uma ajuda para a família, e mais ainda com as atuais medidas (corte das remessas)”, disse à AFP Ernesto Pérez, de 42 anos, que chegou a Havana depois de nove meses sem ver seus pais.

“Resolver” é a palavra-chave de uma filosofia de sobrevivência, formada durante seis décadas do embargo norte-americano e das ineficiências do modelo econômico, de estilo soviético.

Nenhum viajante admite estar fazendo negócios, especialmente quando a televisão cubana noticia diariamente casos policiais contra ilegalidades que terminam em prisão e confisco.

É um tráfico de formigas, regulado por leis alfandegárias e tolerado diante de uma escassez agravada pela pandemia, que deixou as lojas “vazias”, com prateleiras que oferecem apenas garrafas de água, rum e mel.

– “O que nos beneficia” –

“Não é só dinheiro: muitas mercadorias importantes saem do aeroporto”, confirma à AFP o economista Ricardo Torres, do Centro de Estudos da Economia Cubana.

Por isso, a grande notícia, além da retomada dos voos, foi a eliminação do limite de bagagem de duas peças de 32 quilos, estabelecido durante a pandemia. Os viajantes de Miami são caracterizados por sua numerosa bagagem.

A vitória de Joe Biden nos Estados Unidos aumenta a expectativa entre os cubanos, que esperam que, após assumir o cargo em 20 de janeiro, o democrata cancele boa parte das mais de 130 restrições que Trump acrescentou ao embargo.

“Acredito que o que está sendo eliminado agora com a Western Union é um canal, mas existem outros canais, que tenho certeza que muitos, dos dois lados do Estreito (da Flórida), já estão usando para dar continuidade a esse fluxo”, acrescenta Torres.

Na segunda-feira, o jornal oficial Granma alertou que o fechamento dessa empresa norte-americana elimina “as vias oficiais e mais seguras de envio de remessas” e “pode estimular a ilegalidade”.

Estimadas em cerca de US$ 3,5 bilhões anuais, as remessas são um importante apoio para muitas famílias cubanas, e a segunda entrada de divisas no país, depois da venda de serviços médicos e à frente do turismo.

Ney Ascón, de 53 anos, é um mecânico de eletrodomésticos muito procurado na capital. “Nesta época (de pandemia) não tinha nada, trabalhamos com praticamente nada”, conta à AFP.

Com a retomada dos voos, “chegam algumas peças que a gente não tem, que eles podem mandar, podem procurar, é isso que nos beneficia”, relata.

Em contraste com a escassez estatal, as barracas de rua proliferaram em outubro e novembro em Havana.

São mesas em calçadas, onde se pode comprar de tudo: de pasta de dente e roupa íntima a café (as marcas preferidas dos cubanos em Miami), passando por tintura para cabelo e sabonete, entre outros.

Alguns desses itens chegaram com os mais de 5.000 repatriados durante a pandemia e outros, em pacotes postais enviados por parentes dos Estados Unidos, que começaram a ser distribuídos em outubro.

– Dólares no voo –

Após o fechamento da Western Union, a operação é realizada por “passageiros individuais que servem como mulas para transportar dinheiro dos EUA a bordo”, disse à AFP John S. Kavulich, presidente do Conselho Econômico e Comercial EUA-Cuba, com sede em Nova York.

Segundo Kavulich, são 12 voos diários entre os Estados Unidos e Cuba, transportando cerca de 1.800 pessoas. As leis cubanas permitem a entrada no país de até US$ 5.000 por viajante, sem a necessidade de declaração.

Os dólares são mais bem-vindos a Cuba depois que o governo, pressionado pela necessidade de divisas, abriu lojas nessa moeda. Os moradores pagam com cartões bancários de contas que são alimentadas com dinheiro enviado por familiares e amigos.

Por isso, no mercado informal, seu preço aumentou 50% em relação à moeda local.

“Até, em certo sentido, para algumas pessoas será ainda melhor, porque a Western Union entrega CUC (peso conversível), e já sabemos o que está acontecendo com certos bens e serviços que só são vendidos em moeda estrangeira, portanto, devemos trazer dólares”, diz Torres.