No dia 10 deste mês, um jovem do interior do Maranhão tomou a decisão de tirar a própria vida. O motivo: persuadido por “influencers” que vendem a ideia do ganho fácil de dinheiro através de jogos de sorte/azar online, ele perdeu os R$ 50 mil que recebeu após o falecimento da mãe em um desses jogos, o “jogo do tigre”. A dor foi tanta que decidiu se suicidar. Ele não foi o único, isso já aconteceu antes e não duvido que irá acontecer outras vezes.

Lembro-me de ter lido a notícia logo que aconteceu e inicialmente fiquei muito tocado. Depois, confesso, o sentimento foi uma mistura de raiva, desapontamento e frustração. Não com o jovem, é claro, mas com dois agentes bem específicos: as organizações por trás de boa parte desses jogos – decidi não as chamar de empresas, pois estão mais para pirâmides e esquemas –, e com as subcelebridades e influencers digitais que fazem a ponte entre esses esquemas e seus seguidores. Dois agentes complementares e fundamentais para a existência, manutenção e expansão desse esquema tão cruel e antiético.

São inúmeras as páginas de fofoca e influenciadores que fazem parte desse universo. A maioria sem escrúpulo algum e com total desrespeito com o público que os seguem. De vez em quando, raramente, bate uma pitada de consciência em alguns e, assim, fazem a divulgação com rasas ressalvas, como por exemplo: “Olha. Não vão apostar tudo o que têm não, hein? Joguem o bastante para garantir o churrasco do final de semana e pronto”. Seria cômico se não fosse trágico.

Quando criança, sendo de um bairro da periferia, eu ouvia muito sobre o “jogo do bicho”, mas lembro que o público era basicamente homens e mais velhos. Meu próprio pai costumava tentar a sorte na loteria, mas sempre com cautela. Ouvi recentemente de um aluno o relato de que esses jogos foram a razão do divórcio dos pais. “Meu pai ao invés de pagar as contas tentava a sorte”, contou.

Alvo perfeito para esquema pérfido

No entanto, atualmente, no modelo animalesco das redes sociais, as organizações desse universo encontraram um público imensamente maior, incluindo os jovens. Este público, especialmente hoje em dia, é absolutamente imediatista, com baixo senso crítico e sofre de ansiedade. Resultado: alvo perfeito para comprar a ideia do rápido enriquecimento.

Fernanda, filósofa pela Universidade Estadual do Amapá, reforça: “É perigoso e totalmente desumano, na medida em que sabemos da vulnerabilidade social e financeira das pessoas hoje em dia e do desejo de ascender socialmente. Às vezes, não é nem necessariamente pelo desejo de enriquecer em termos de se valer de luxos, mas a vida anda tão difícil que a pessoa vê nesses jogos de azar uma oportunidade de mudar a própria sina de pobreza e miséria, muitas vezes sem perceber que pode estar piorando tudo.”

Todos têm sonhos. De comer boas comidas, vestir boas roupas, fazer belas viagens e ter uma casa bonita. Nas redes sociais, influenciadores esbanjam vidas “perfeitas” sem se preocuparem com o efeito que isso tem no público que tão fielmente os seguem. Isso foi além e está beirando o ilegal: agora estão ganhando dinheiro cruelmente se utilizando dos sonhos do seu público e fazendo propaganda enganosa.

Não posso afirmar que todos eles sabem que muitas vezes, para não dizer sempre, esses jogos são fachadas para grandes esquemas e que são belas farsas. No entanto, não podemos ser ingênuos: boa parte, pelo menos, faz alguma ideia, mas escolhe ignorar se pautando da ideia de que não estão obrigando ninguém ou dando dicas sobre o fato de que o uso deve ser moderado.

Falta regulamentação

Sobre essas organizações, um aluno do Maranhão compartilhou comigo um vídeo da rede social de Yglésio Moyses, deputado estadual do Maranhão. No vídeo, ele compartilha informações que obteve sobre uma dessas organizações, a do “jogo do tigre”.

Ele, se passando por influencer, teria conseguido o contato de uma das pessoas por trás do jogo. O contato seria estrangeiro, de Hong Kong para ser exato. Não demorou para a pessoa responder, se intitulando “gerente de recrutamento ” e compartilhando as informações enviadas ao elenco de influenciadores.

Os influencers que trabalham para essa organização receberiam R$ 1.000 a cada 100 inscrições realizadas pelo código que eles compartilham. Até aí, tudo bem, pelo menos matou minha curiosidade em saber sobre os valores, mas o que veio após isso me chocou absurdamente.

O gerente teria compartilhado os dados de login para uma conta de demonstração. Aí está a magia da enganação: este link seria para entrar em uma conta que servirá para o marketing do influenciador. Nela, já de cara aparece um belo valor na carteira digital. A sugestão seria o influenciador jogar e o jogo “simula” o que pode acontecer com qualquer um: uma perda inicial e logo em seguida, rapidamente, o ganho de R$ 1.500. Assim, o influenciador compartilhará esses dados: a tela do jogo com um belo valor na carteira, uma perda que será falsamente sentida e o ganho que será fortemente comemorado e seguido pelo link de acesso.

Quanto mais contas se inscreverem com este link, mais dinheiro o influencer ganharia. Para ele, não importa que esteja compartilhando uma falácia. Tampouco gasta tempo ou energia se preocupando com pessoas de baixa renda, seus fiéis seguidores, perdendo o pouco dinheiro que têm. Foi isso que me chocou: muitas vezes, não posso afirmar que em todas, eles sabem que o que estão compartilhando não é verdade.

Infelizmente, não acredito que a solução para este problema possa ser pautada na conscientização dos influenciadores que fazem parte de todo esse processo. Talvez seja ingenuidade acreditar que isso irá ocorrer.

O problema se origina com essas organizações, que nada mais são do que esquemas cruéis e maliciosos de pirâmide. É urgente haver algum tipo de regulamentação, que proibia ou regule a vinculação desses jogos nas redes sociais. É urgente falarmos sobre isso.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.