Os terríveis incêndios na Bolívia fazem com que o presidente Evo Morales enfrente um cenário complexo ante as eleições de outubro, nas quais busca um quarto mandato consecutivo.

O fogo, que destruiu 1,2 milhão de hectares e provocou críticas ao governo, ocorre faltando menos de dois meses para as eleições de 20 de outubro, em que Morales é favorito, segundo pesquisas.

O analista político Carlos Cordero acredita que a perda de florestas gera desconforto entre os cidadãos, que percebem que o governo “agiu de forma lenta” para combater o fogo, e prevê que esse sentimento será refletido nas urnas.

“Acredito que terá um impacto (eleitoral), porque essas reações vêm dos cidadãos. Os cidadãos estão indignados com os incêndios na Amazônia”, disse Cordero à AFP.

Cordero estima que Morales perderá votos, o que impediria uma vitória no primeiro turno. Em caso se segundo turno, ele prevê uma possível derrota para o segundo lugar nas pesquisas, o ex-presidente centrista Carlos Mesa (2003-2005).

O mal-estar se deve, na opinião do analista, à suspeita de que os incêndios tenham sido estimulados por medidas do governo de Morales: autorização de queimadas destinadas a expandir a fronteira agrícola, uma prática que beneficia empresários pecuaristas e agroindustriais.

– “Acordo com oligarquia” –

As críticas aos incêndios se somam às queixas da oposição de que a tentativa de reeleição de Morales é ilegítima, porque havia sido rejeitada pelos cidadãos em um referendo em 2016 (embora posteriormente autorizada pelo tribunal constitucional).

No poder desde 2006, Morales é o primeiro indígena a ocupar a presidência e é o governante a ocupar por mais tempo o cargo.

Também contribui o revés sofrido por Morales em 2018 na Corte de Haia no processo contra o Chile para recuperar uma saída para o mar.

O ambientalista Pablo Solón acusa Morales de ser um benfeitor dos empresários agrícolas da região leste de Santa Cruz, que no passado estavam alinhados com a direita opositora.

“O governo, de acordo com a oligarquia agropecuária, aprovou um pacote de leis e regulamentos que favorecem as queimadas de florestas e pastagens”, disse à AFP Solón, ex-embaixador de Morales na ONU.

Segundo ambientalistas, uma lei de Morales de 2016 e um decreto de julho deste ano provocaram o desmatamento de florestas para expandir a fronteira agrícola, dando origem a incêndios vorazes.

Mesa e o rico empresário Samuel Doria Medina – que desistiu de ser candidato em favor de uma unidade da oposição – se aproveitaram dos incêndios na Amazônia e no Pantanal para atacar Morales, apesar do acordo tácito de manter uma pausa na campanha eleitoral enquanto durar o desastre ambiental.

“Há um culpado dessa situação dramática para o país e esse culpado é Evo Morales”, disse Mesa.

No Twitter, Doria Medina incentivou o voto de castigo escrevendo: “#NoMasEstafadores”.

O governo, por sua vez, denuncia que esses ataques aproveitam os incêndios para fins eleitorais, a fim de reduzir os danos colaterais nas urnas.

Já os opositores criticaram Morales por se juntar pessoalmente aos bombeiros florestais no combate a incêndios esta semana, denunciando uma iniciativa eleitoral.