Crise no PL: direita vive histórico de rachas desde inelegibilidade de Bolsonaro

Troca de farpas entre Michelle e filhos de Jair Bolsonaro expõem tensões internas da ala

Disputa por 2026 já começou
Disputa por 2026 já começou Foto: Reprodução

O clã Bolsonaro, epicentro da direita brasileira, vive momento de instabilidade e rachas internos que se aprofundam à medida que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cumpre pena pela tentativa de golpe de Estado, deixando um vácuo de liderança.

A mais recente cisão se deu pela troca de farpas públicas entre a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) e os três enteados – o senador Flávio (PL-RJ), o deputado licenciado Eduardo (PL-SP) e o vereador Carlos (PL-RJ) – em meio a negociações partidárias no Ceará, que rapidamente resultaram na reversão do apoio do PL ao ex-presidenciável Ciro Gomes.

O episódio começou quando Michelle criticou publicamente a aliança do partido com Ciro durante evento de lançamento da pré-candidatura do senador Eduardo Girão (Novo-CE). Os filhos reagiram em uníssono defendendo a estratégia pragmática do partido e classificando a atitude da madrasta como autoritária. Após a repercussão negativa, o PL suspendeu a negociação com Ciro e convocou reunião em Brasília para apaziguar o conflito e definir que futuras composições de chapas e alianças sejam tratadas internamente, evitando novos rachas públicos.

“(Houve) um ruído na nossa comunicação interna, já que as tratativas sobre todos os Estados do Brasil já vêm acontecendo, mas veio a público de forma muito prematura no Ceará”, afirmou Flávio a jornalistas após a reunião.

A relação conturbada dentro do núcleo familiar e do setor representado pelo bolsonarismo não é novidade, remontando a conflitos que se intensificaram durante a última campanha presidencial. Na ausência de uma figura centralizadora que coordene os posicionamentos e direções da direita brasileira, os espólios de Jair Bolsonaro frequentemente discordam sobre o futuro da própria ala política.

Casos de família

Ciro Gomes (PSDB) foi alvo de críticas de Michelle Bolsonaro (PL)

Ciro Gomes (PSDB) foi alvo de críticas de Michelle Bolsonaro (PL)

Michelle x Carlos

A crise familiar tem como ponto mais sensível o embate por protagonismo entre Michelle e Carlos Bolsonaro. A relação, sempre marcada por tensão e desconfiança, deteriorou-se publicamente com o aumento do protagonismo político da ex-primeira-dama.

Bolsonaro já chegou a admitir em entrevistas que Carlos e Michelle não se falavam, citando existência de “problema lá atrás” e uma possível “questão de ciúmes” entre os dois. A ex-primeira-dama confirmou o rompimento, afirmando publicamente que prefere manter distância do “filho 02” do marido para evitar maiores desentendimentos. Ela declarou ainda que o enteado demonstrava desaprovar o relacionamento do pai desde o princípio.

Nas vésperas do segundo turno de 2022, Michelle teria pedido que o enteado deixasse uma reunião no Palácio do Planalto – atitude que gerou críticas e apelido de “falsa crente” entre aliados. A reposta veio após a derrota eleitoral, com Carlos – que gerenciava as redes de Jair – deixando de seguir a ex-primeira-dama no Instagram, o que motivou boatos sobre a desunião do casal bolsonarista.

Michelle x Flávio

Flávio Bolsonaro também protagonizou atritos com Michelle desde que a ex-primeira-dama passou a ocupar palco dentro do PL. Quando Michelle assumiu a presidência nacional do partido ligada às mulheres, em março de 2023, seu crescimento interno provocou desconforto no senador. Pessoas próximas ao núcleo relatam que Flávio interpretou o novo protagonismo da madrasta como uma sombra sobre sua atuação e chegou a comentar que se sentia relegado em agendas partidárias em que ambos dividiam espaço.

O mal-estar ficou evidente em um jantar promovido no início de 2023 para parlamentares do PL, com a presença do presidente da sigla, Valdemar Costa Neto. Ao perceber que Michelle participaria do encontro, Flávio deixou o local antes do fim. O episódio foi interpretado como mais um sinal das disputas internas que, desde então, se tornaram frequentes entre os enteados e a madrasta.

Eduardo Bolsonaro versus Tarcísio

Tarcísio de Freitas abraça Bolsonaro: governador de São Paulo foi ministro do ex-presidente

Tarcísio de Freitas abraça Bolsonaro: governador de São Paulo foi ministro do ex-presidente

Ambos candidatos ao espólio de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Tarcísio de Freitas (Republicanos) se desentenderam quando o deputado licenciado criticou publicamente a participação do governador nas negociações sobre o tarifaço imposto pelos Estados Unidos. Eduardo foi um dos responsáveis por articular as taxações nos EUA – onde reside até o momento – a fim de retaliar o próprio país pelo julgamento contra seu pai. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele classificou a tentativa de resolução de Tarcísio como um “desrespeito”, afirmando que buscava pressionar o ministro Alexandre de Moraes.

Mesmo após Tarcísio tentar amenizar a situação em entrevista à CNN, dizendo que estava focado em defender os setores produtivos de São Paulo, Eduardo voltou a atacá-lo nas redes, chamando o governador de “subserviente às elites”. Paralelamente, Tarcísio manteve sua agenda com empresários e representantes dos EUA para tratar dos impactos do tarifaço, enquanto o embate com o deputado seguia como mais um ponto de tensão dentro da direita.

Filho ’03’ isolado

O afastamento de Eduardo Bolsonaro de parte da direita se aprofundou ao longo do debate sobre a sucessão de 2026. Mesmo licenciado e vivendo nos Estados Unidos, o deputado passou a defender publicamente a participação do pai – inelegível até 2030 – como figura central da próxima campanha, rejeitando a ideia de uma “direita permitida”, expressão usada por ele em referência a candidaturas consideradas palatáveis ao “sistema”, como a de Tarcísio de Freitas.

Em entrevistas recentes, Eduardo tem reiterado que a disputa de 2026 não será “normal” sem Jair Bolsonaro no páreo, e que uma direita moderada não representaria o eleitorado bolsonarista. Ao comentar a possibilidade de Tarcísio se lançar ao Planalto, disse apenas que não queria “cair na porrada com ninguém agora”,  mas criticou “aliados de ocasião” que abandonariam o bolsonarismo após colher dividendos eleitorais.

Nessa linha, o deputado passou a se colocar como alternativa pessoal para 2026, afirmando que existe “uma pequena possibilidade” de concorrer caso não seja impedido pela Justiça. Disse ainda que já conversou com o pai e que jamais foi desautorizado.

+ Como governadores de direita exploram pauta da segurança pública para 2026

Governadores e relação oscilante com bolsonarismo

Governadores de SP, GO e MG se reuniram virtualmente em apoio a Cláudio Castro

Governadores de SP, GO e MG se reuniram virtualmente em apoio a Cláudio Castro

Além de Tarcísio, os atritos entre o bolsonarismo e dois dos principais governadores da direita – Romeu Zema e Ronaldo Caiado – se acumularam ao longo das primeiras movimentações para 2026. Zema passou a defender abertamente que o campo encontre alternativas caso Jair Bolsonaro continuasse inelegível, lembrando que a indefinição do ex-presidente atrasa a construção de uma candidatura competitiva. Em entrevistas dadas no início do ano, apontou que pode ser um nome viável e recordou episódios em que o PL, por decisão de Bolsonaro, atuou contra ele em Minas, indicando que a relação nunca foi plenamente alinhada.

Caiado adotou linha semelhante. Em agosto, disse que nenhum governador de direita deve subordinar sua candidatura à vontade de Bolsonaro e que não existe “candidato universal” no campo conservador. Defendeu múltiplas postulações no primeiro turno, afirmou que não abriria mão de sua pré-candidatura e rebateu a ideia de que a direita deveria aguardar a posição do ex-presidente — mesmo diante da insistência do bolsonarismo em centralizar decisões na figura de Bolsonaro ou de um de seus filhos.

As divergências foram amplificadas por Carlos Bolsonaro, que atacou publicamente os governadores, chamando-os de “ratos” e “oportunistas” por não priorizarem a pauta da anistia. Caiado respondeu com cautela, dizendo compreender o desabafo, mas manteve sua posição de independência política.

Caroline de Toni e crise no PL

Deputada federal Caroline de Toni (PL-SC)

Deputada federal Caroline de Toni (PL-SC)

A busca por cargos que garantam foro privilegiado para a família Bolsonaro gerou um racha em Santa Catarina, um dos estados mais fiéis à direita. A intenção de Carlos Bolsonaro de mudar seu domicílio eleitoral do Rio de Janeiro para SC para disputar uma vaga ao Senado em 2026 desmantelou acordos locais e colocou o vereador em rota de colisão com aliados de peso no estado.

A deputada federal Caroline de Toni (PL) foi preterida na chapa ao Senado pelo governador Jorginho Mello (PL), em favor de Esperidião Amin (PP), contrariando a determinação de Jair Bolsonaro de que Carlos concorreria. A deputada chegou a articular mudança de partido para manter a candidatura, enquanto Carlos reforçou publicamente a “chapa puro-sangue” do PL e disse manter diálogo com Caroline.
Neste mês, Carlos confirmou que ele e a parlamentar integrarão a disputa pelo Senado de maneira conjunta.