Crise fiscal na França: o que a Itália tem a ensinar?

A crise política e econômica francesa parece se aprofundar cada vez mais: governos caem, orçamentos seguem indefinidos e a dívida pública só aumenta. A Itália já esteve em situação parecida.A crise política na França não dá sinais de que vai arrefecer. A recondução de Sébastien Lecornu como primeiro-ministro na última sexta-feira (10/10), quatro dias após renunciar com apenas 27 dias no cargo, pode até ter afastado a necessidade de novas eleições, mas não salva por completo a segunda maior economia da UE.

O risco é que se repita o cenário de 2024, quando o orçamento de 2025 não foi acordado a tempo de ser debatido e aprovado até o final do ano. Devido à instabilidade política, ele teve que ser então "realocado" para o ano seguinte – o que, na prática, significa que o orçamento antigo foi usado até que um novo fosse finalmente acordado em fevereiro.

Embora essa solução de curto prazo evite o risco de uma paralisação do governo ao estilo americano, ela não resolve em nada os problemas econômicos de longo prazo do país: a dívida e finanças públicas francesas.

O problema da dívida francesa

Após a renúncia de Lecornu na semana passada, as agências de classificação de risco emitiram novos alertas sobre as dificuldades fiscais da França.

A Fitch Ratings, que rebaixou a França para a classificação A+ no mês passado, afirmou que a atual situação política indicava que a resolução dos problemas fiscais do país é improvável.

Enquanto isso, a S&P Global enfatizou a necessidade de a França implementar um orçamento que lhe permita cumprir com suas obrigações decorrentes do tratado da UE, referindo-se especificamente ao fato de a França ter desrespeitado as rígidas regras de empréstimo e dívida do Pacto de Estabilidade e Crescimento do bloco por algum tempo.

Durante o mandato do presidente francês, Emmanuel Macron, no poder desde maio de 2017, os gastos públicos aumentaram significativamente, ao tempo que ele também implementou cortes profundos de impostos. Como resultado, a dívida nacional do país aumentou em mais de 1 trilhão de euros (cerca de 6,3 trilhões de reais) – embora isso tenha sido compensado por um aumento de 30% no crescimento do PIB no período.

Uma medida muito adotada pelos economistas é a dívida como porcentagem do PIB. A dívida da França aumentou de 101% do PIB em 2017 para 114% – a terceira maior taxa da UE, atrás apenas da Grécia e da Itália.

Há décadas que a França apresenta desequilíbrio orçamentário, normalmente superando outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em gastos públicos. No entanto, crises recentes, como a pandemia de covid-19, a guerra da Rússia na Ucrânia e uma série de choques nos preços da energia, levaram a um aumento nos gastos, resultando em déficits orçamentários cada vez maiores.

Quando Macron assumiu o cargo, o déficit era de 3,4%. Agora, porém, já está em 5,8% – e em tendência de alta. A instabilidade política atual, que surgiu depois que Macron convocou eleições parlamentares antecipadas para o verão de 2024, na tentativa de afastar o partido de direita Reunião Nacional, tornou ainda mais difícil lidar com os problemas fiscais.

As eleições levaram a um parlamento ainda mais dividido, sem nenhum bloco político com maioria absoluta — consolidando a instabilidade atual.

Alexandra Roulet, economista da Insead Business School, afirma que os gastos durante as crises recentes, combinados com os cortes de impostos, são os principais motivos do aumento da dívida.

"Essas políticas se mostraram decepcionantes em termos de seus efeitos sobre o orçamento francês", disse ela à DW. "A esperança era estimular o investimento e impulsionar a economia de tal forma que levasse a um crescimento da receita fiscal, apesar da redução da alíquota de impostos, mas não vimos isso acontecer."

O exemplo italiano

No entanto, na hipótese de o cenário político francês eventualmente se estabilizar, alguns especialistas apontam para um modelo a ser seguido em termos de organização fiscal: a Itália.

Embora o país vizinho ainda tenha uma taxa de dívida em relação ao PIB maior que a da França, de quase 138%, Melanie Debono, economista sênior para a Europa na Pantheon Macroeconomics, diz que a "situação fiscal do país melhorou significativamente nos últimos anos", destacando que seu déficit orçamentário caiu para 3,4%, próximo à taxa prescrita pela UE de 3%.

Recentemente, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, anunciou que espera que o déficit da Itália caia para 3% do PIB ainda este ano, o que permitiria que Roma saísse do programa da UE para países com déficits excessivos antes do previsto.

Em entrevista à DW, Debono disse que o governo Meloni tem sido "prudente", cortando bônus de construção e se esforçando para arrecadar impostos não pagos, ao mesmo tempo em que consegue cortar impostos de renda e empresariais.

Ela vê semelhanças entre as situações fiscais italiana e francesa "no sentido de que ambas sofrem com desafios estruturais relacionados a gastos e passivos futuros cronicamente altos e crescentes, além de uma oferta fraca na economia, que está lutando para arrecadar receita suficiente para cobrir os gastos comprometidos".

No entanto, enquanto a situação italiana dá sinais de melhora, a francesa só parece piorar. "O déficit francês vem aumentando de forma alarmante devido ao aumento contínuo dos gastos e à fraqueza da arrecadação tributária", avalia.

Em termos de lições que a França poderia tirar do exemplo italiano, Debono acredita que os diferentes sistemas políticos não permitem comparações fáceis.

"Não está claro para nós que a relativa estabilidade na Itália possa servir de guia para o que a França deve fazer", disse Debono. "A França não está sendo ajudada pela configuração da Quinta República, na qual o presidente e o parlamento podem facilmente acabar em conflito quando este último não tem maioria para apoiar a política do primeiro."

No entanto, ela observou como a Itália tem administrado as aposentadorias desde a crise da dívida soberana no início da década de 2010, aumentando a idade em três meses a cada dois anos, exceto em certos anos especiais em que o aumento foi congelado.

A França poderia seguir esse exemplo, sugere Debono. Ela destaca, porém, que Paris precisa de muito mais do que uma reforma previdenciária para se aproximar da meta de 3% da UE. "A França precisa de cortes radicais de gastos e/ou aumentos de impostos."

Itália, um modelo de reforma?

Durante anos após a crise da dívida da zona do euro, a Itália foi vista como o potencial problema que poderia desencadear o próximo desastre financeiro na Europa. Em 2018 e 2019, uma combinação de instabilidade política perene e níveis de dívida vertiginosos parecia um coquetel perigoso, e que agora soa familiar aos ouvidos franceses.

Naquela época, forças próximas aos extremos políticos, como o populista Movimento 5 Estrelas (M5S) e a Liga, flertavam abertamente com a ideia de retirar a Itália da zona do euro ou da UE como um todo.

No final, foram Meloni e seu partido, Irmãos da Itália, que consolidaram o poder, onde permanecem desde outubro de 2022. O governo de Meloni tem sido elogiado por sua disciplina fiscal, surpreendendo muitos com a forma como desvirtuou a imagem do país em termos de gestão financeira.

A França, por sua, vez, também tem uma grande força da direita que há anos anos tenta chegar ao poder. Para Debono, no entanto, não há garantia de que o Reunião Nacional praticará disciplina fiscal se eventualmente for eleito.

"O Reunião Nacional tem o corte de impostos e gastos previsto em seu programa, mas é provável que corte sobretudo impostos e que ache muito difícil cortar gastos", avalia.