O restaurante Albertina, na zona Oeste de São Paulo, retrata o atual cenário do setor turístico no País. Atropelado pelos efeitos da pandemia, o estabelecimento anunciou em julho passado o encerramento de suas atividades, depois de mais de cem dias de portas fechadas. “Ninguém quer fechar, porque significa demitir pessoas e desistir de um investimento econômico, pessoal e profissional. É uma decisão pesada, mas às vezes é necessário, precisa ser feito”, contou o chef Bruno Alves, que agora se dedica a jantares para grupos fechados.

Um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast, mostra que a situação de Alves está longe de ser isolada. Segundo a entidade, com a fuga dos habituais visitantes 50 mil estabelecimentos turísticos tiveram de fechar as portas de março a agosto. São bares, restaurantes, hotéis, pousadas, agências de viagens e serviços de transportes, cultura e lazer.

O número representa a extinção de 16,7% dos estabelecimentos turísticos do País, especialmente bares e restaurantes (com o fechamento de 39,5 mil pontos), hotéis, pousadas e similares (5,4 mil) e transporte rodoviário (1,7 mil).

“Tem gente fazendo obra em hotel porque não adianta abrir agora, melhor esperar a pandemia passar, abrir tem custos associados. O setor aéreo preocupa muito também, porque a crise pode levar a uma concentração ainda maior do mercado, com reflexos nos preços das passagens aéreas”, disse o economista Fabio Bentes, responsável pelo estudo da CNC, que teve dados compilados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

Todas as unidades da Federação perderam empresas turísticas, com destaque para São Paulo (redução de 15,2 mil estabelecimentos), Minas Gerais (5,4 mil), Rio de Janeiro (4,5 mil) e Paraná (3,8 mil).

Ainda de acordo com o estudo, em seis meses de pandemia foram fechados 481,3 mil empregos formais no setor ligado ao turismo. “O impacto dessa mortandade de empregos no mercado de trabalho é gigantesco. O setor tinha 3,4 milhões de trabalhadores formais antes da pandemia. Houve uma destruição de quase 14% dos empregos no setor”, avaliou Bentes.

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O restaurante Albertina tinha sete funcionários e três sócios. O Caverna, bar da zona Sul do Rio, teve o mesmo destino, com a dispensa dos 10 empregados contratados com carteira assinada e mais quatro temporários de fim de semana. “Só delivery não segura o faturamento. Com a reabertura dos primeiros estabelecimentos, voltaram a cobrar o aluguel cheio, a conta de luz também, os custos subiram muito e o delivery perdeu a atratividade”, contou Pedro Aliperti, sócio Caverna, que leiloou objetos de decoração do bar para saldar as dívidas. “Não saio zerado, mas pelo menos não estou devendo nada a ninguém.”

Ociosidade

O setor turístico explorou apenas 26% do seu potencial de geração de receitas nos meses de crise, deixando de faturar R$ 207,85 bilhões entre a segunda quinzena de março e o fim de setembro, calculou a CNC. O pior momento ocorreu em março e abril, quando o volume de serviços turísticos prestados no País despencou 68,1%, conforme apurado pela Pesquisa Mensal de Serviços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em julho, o setor ainda operava 56,6% aquém do patamar pré-pandemia. “Há dentro do setor turístico perdas muito importantes na parte de locação de automóveis, alojamento e alimentação, agências de viagens, serviços de buffet, criação artística”, enumerou Rodrigo Logo, gerente da pesquisa do IBGE.

Segundo Manoel Linhares, presidente nacional da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH Nacional), as medidas do governo voltadas para sustentação do emprego e concessão de crédito ajudaram a evitar perdas maiores no setor, mas a ocupação na rede de hotelaria permanece baixa. “A ocupação média está em 20% da capacidade total. O hoteleiro precisa de 50% de ocupação para pagar os custos, então ele teve que diminuir gastos, dispensar funcionário”, justificou Linhares.

“Vendas internacionais estão fracas. No doméstico, beiramos 70% de um ano atrás”, contou Leonel Andrade, presidente CVC Corp, dona da operadora de viagens CVC, ao comentar o prejuízo líquido de R$ 1,151 bilhão no primeiro trimestre de 2020.

A companhia acredita que deva ganhar mercado, uma vez que o tamanho da companhia em relação à concorrência dá mais condições de resistir ao momento difícil. “Provavelmente, vamos ganhar marketshare com a crise, mas não é algo para celebrar.”

A ABIH prevê uma retomada lenta e gradual do setor e aposta numa campanha para convencer o brasileiro a voltar a viajar pelo País. “A recuperação virá pelo turismo regional, de pouca distância, mais rodoviário. A hotelaria está preparada para receber com segurança, os profissionais estão treinados em todos os protocolos para proteger a saúde do turista”, disse Linhares.

Perda generalizada


Com o setor de hotelaria afetado pela pandemia do coronavírus, Alfredo Miguel viu o seu negócio ser atingido também. Dono do Grupo Bonjardim, que presta serviços de restaurante para redes de hotéis, ele reduziu de 300 para 80 a sua equipe de funcionários, mas não precisou fechar nenhuma das 15 unidades. “Estamos sendo bastante prejudicados também. Mas vamos levar enquanto der.” Segundo ele, não foi possível pegar o crédito oferecido pelo governo porque o faturamento estava acima do permitido para a liberação.

O Bonjardim tem um contrato vigente com um hotel em Salto (SP), mas as atividades foram suspensas e a retomada ainda é uma incerteza. Por isso, os 15 funcionários dessa unidade tiveram de ser dispensados no começo de abril. Miguel vislumbra uma melhora do setor com a chegada de uma vacina. “Se a vacina vier em dezembro, a coisa sara. Mas se vier só em março, aí (a melhora) é só para junho do ano que vem”, disse.

O presidente do SinHoRes Osasco – Alphaville e Região, Edson Pinto, tem a mesma opinião. “A questão da vacina é fundamental para a retomada da confiança, mas temos em São Paulo os melhores protocolos higiênico-sanitários do Brasil e a melhor performance na sua execução prática.”

A falta de clientes também é um grande problema para Martin Jensen, diretor-presidente da Queensburry, agência de turismo de luxo. A equipe, que antes era de 116 funcionários, caiu para 24, e a empresa entrou em recuperação judicial. “Depois de março, não tive nenhuma venda completa do pacote internacional. E houve mais de mil cancelamentos de viagens. Março foi um dilúvio, um tsunami, um pesadelo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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