A crise nas relações entre a Turquia e os Estados Unidos, que colocou a economia de Ancara sob forte tensão, também ameaça os laços militares entre os dois países-membros da Otan, o que poderia ter consequências geopolíticas.

Irritado com a prisão do pastor americano Andrew Brunson na Turquia, o presidente americano, Donald Trump, anunciou na semana passada a imposição de novas tarifas alfandegárias ao aço e ao alumínio turcos, causando uma desvalorização da moeda local.

Na sexta-feira, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, escreveu no jornal The New York Times que a menos que Washington “volte atrás nesta tendência de unilateralismo e falta de respeito”, a Turquia “começará a buscar novos amigos e aliados”.

A advertência ocorreu depois que Erdogan manteve uma conversa por telefone com o presidente russo, Vladimir Putin, para discutir assuntos econômicos e comerciais, bem como a crise na Síria.

Os laços militares entre a Turquia e os Estados Unidos já estão abalados pelo apoio de Washington aos combatentes curdos da Síria (YPG), os quais Ancara considera um braço do “terrorista” Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).

E a tensão aumentou depois que a Turquia chegou a um entendimento para a compra do sistema avançado de defesa aérea S-400 russo, apesar de ser um aliado da Otan.

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Este movimento desafiaria as sanções que os Estados Unidos impuseram a Moscou, e a relação cada vez mais cômoda da Turquia com Putin fez soar o alarme tanto nos Estados Unidos quanto na União Europeia.

Na segunda-feira, Trump assinou uma proibição para entregar aviões caça F-35 à Turquia se Ancara mantiver a compra do S-400.

O almirante reformado James Stavridis, ex-comandante supremo da Otan, exortou Washington e Ancara a fazerem tudo o que puderem para melhorar suas relações.

“Perder a Turquia seria um erro geopolítico de proporções épicas”, disse Stavridis na segunda-feira à MSNBC, embora tenha considerado que Ancara “tem que dar o primeiro passo neste momento”.

John Bolton, conselheiro nacional de segurança de Trump, reuniu-se na segunda-feira com o embaixador de Ancara em Washington, Serdar Kilic, para discutir “a continuidade da prisão do pastor Andrew Brunson e o estado das relações” entre os dois países, informou a Casa Branca.

O diálogo da Turquia com a Rússia levou a questionar a confiabilidade de Ancara como membro da Otan, e inclusive a duvidar se deveria permanecer na aliança.

Mas Joshua Landis, diretor do centro de Estudos do Oriente Médio, explicou à AFP que uma saída da Turquia da Otan seria desastrosa.

“Não há um lado bom em uma expulsão da Turquia, só forçaria a Turquia a se atirar nos braços da Rússia”, disse.

– Base aérea chave –

Os especialistas concentram a sua atenção em Incirlik, uma base aérea turca, a apenas 110 km da fronteira com a Síria.

A base foi durante décadas ficha frequente nos altos e baixos das relações entre Washington e Ancara.


A localização de Incirlik com relação ao Oriente Médio é um ativo estratégico de grande valor para a Otan e os Estados Unidos, que até pouco tempo atrás partia dali para seus ataques contra o grupo Estado Islâmico na Síria e no Iraque.

Além disso, acredita-se que a base abrigue 50 bombas nucleares americanas.

A Turquia também se beneficia, já que os militares americanos lhe proporcionam Inteligência e drones de reconhecimento na região de fronteira, que ajudam Ancara a vigiar o ilegal PKK.

No ano passado, Muharrem Ince, principal candidato opositor nas eleições presidenciais turcas, ameaçou fechar Incirlik se os Estados Unidos não extraditassem Fethullah Gulen, um exilado clérigo muçulmano a quem Ancara acusa pelo golpe de Estado frustrado de 2016.

Ince perdeu as eleições ante Erdogan por ampla margem, mas Incirlik continua sendo um tema chave.

Após a tentativa de golpe, o comandante turco da base foi detido por suposta cumplicidade na conspiração. E, segundo o jornal turco Cumhuriyet, advogados pró-Erdogan apresentaram uma ação para pedir a detenção das tropas americanas em Incirlik pelo mesmo motivo.

As duas partes têm muito a perder se as relações militares se degradarem, mas, segundo os especialistas, a Turquia levaria a pior.

Por exemplo, a crise diplomática poria em risco um acordo que a Turquia tem com o Paquistão para vender àquele país helicópteros equipados com artilharia no valor de 1,5 bilhão de dólares, pois são fabricados com componentes americanos que requerem licença.

“A Turquia sofreria mais (com uma ruptura) porque é mais frágil e os Estados Unidos são um grande elefante”, argumentou Landis. Em situações como esta, “os países menores são mais afetados”.


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