Além de fragilizar a relação com os demais Poderes e lançar o País em uma grave crise institucional, a escalada golpista de Bolsonaro também está minando o único projeto do governo que vinha dando certo em seu errático governo: o programa de concessões. O discurso autoritário do mandatário atingiu seu ponto máximo nos atos de Sete de Setembro e tem sido endossado pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, responsável por tocar essas parcerias com o setor privado. O resultado não poderia ser diferente: receosos, potenciais investidores começaram a se afastar dos negócios que vislumbravam no setor de privatizações no Brasil.

As propostas para a área de infraestrutura são consideradas estratégicas pelo governo, já que Bolsonaro deixou claro seu desejo de contar com elas para a reeleição. A ideia era usar a pasta como vitrine da gestão, entregando obras de grande porte em regiões prioritárias para o desenvolvimento. A mudança de comportamento de Tarcísio de Freitas, que deixou de ser simplesmente um técnico capacitado para se envolver diretamente na campanha do novo mandato, subindo, inclusive, no palanque em que Bolsonaro fez o ameaçador pronunciamento no Dia da Independência, tem contribuído para afastar os empresários do plano de privatizações. Desde que começou a ser incentivado a disputar o governo de São Paulo, o ministro transformou-se em “garoto propaganda” do mandatário e vestiu a camisa do bolsonarismo. Além de dividir palanques com o capitão, Freitas está incluindo até mesmo orações em suas agendas públicas, exatamente como reza a cartilha do chefe.

Percebendo a entrada de Freitas no jogo eleitoral, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, sinalizou que vai deixar expirar a validade da MP dos Trilhos, medida editada pelo Planalto que prevê a definição de um marco temporal para as concessões ferroviárias no País. Se o discurso do mandatário continuar no mesmo diapasão de ameaças à democracia, as represálias continuarão, segundo fontes ligadas a Pacheco. Outros congressistas, especialmente os da oposição, estudam emperrar os projetos de Freitas, fundamentais para que o capitão tenha condições de se reeleger. “A relação do governo com o Senado fica cada vez menos azeitada. Isso, sem dúvida, pode comprometer, por exemplo, a aprovação da proposta de privatização dos Correios”, disse Isnaldo Bulhões, líder do MDB na Câmara.

CONTRAMÃO A Via Dutra, ligando São Paulo ao Rio, pode ter o edital de concessão questionado na Justiça (Crédito:Luis Lima Jr)

Há ainda parlamentares dispostos a judicializar processos de concessões que já estão encaminhados. O governo pretende licitar novamente o contrato de privatização do Aeroporto de Viracopos, em Campinas, bem como dar início aos leilões de concessão de outros 16 terminais, dentre eles os de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ). Outro edital ameaçado é o que diz respeito à nova concessão da NovaDutra, uma das principais rodovias brasileiras, ligando São Paulo ao Rio.

O projeto da Ferrogrão, ferrovia que vai ligar Sinop (MT) a Miritituba (PA) e que será operado pela iniciativa privada, também pode sofrer impactos a partir dessa ofensiva dos congressistas. O processo de concessão dessa ferrovia está parado desde março por força de uma liminar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes (STF), um dos principais alvos dos ataques do ex-capitão. Na decisão, Moraes atendeu a um pedido feito pelo PSOL e barrou o projeto, sob o argumento de que ele prevê que parte da ferrovia seja construída dentro de uma área de proteção ambiental, no Pará.

Nova estatal

Para desmoralizar ainda mais o programa de privatizações, o governo editou nesta semana decreto criando mais uma estatal. Batizada como Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional, a ENBpar será constituída com a destinação de R$ 4 bilhões do Orçamento. Embora faça parte do projeto de privatização da Eletrobrás aprovado no Congresso, a criação da ENBpar representa mais um revés na alardeada agenda de enxugamento da máquina pública — o presidente tem feito o contrário. No começo do mandato, o capitão criou a Nav Brasil, cujo objetivo era reduzir as estruturas da Infraero, algo que nunca aconteceu.