O mayday da ITA Linhas Aéreas no mercado já era esperado no setor por quem conhece o negócio de companhia aérea e por quem presenciou os bastidores. A crise da aérea que voou por apenas seis meses tem nome, sobrenome, rosto e padrinho: Sidnei Piva, o novo controlador do grupo Itapemirim, e o Governo Federal, que avalizou o parto.

Piva tateou por meses os gabinetes de Brasília até convencer o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, a abraçar seu projeto megalomaníaco de lançar uma companhia aérea em plena crise financeira mundial gerada pela pandemia do coronavírus. Tarcísio não só embarcou na furada como convenceu o presidente Jair Bolsonaro a ser um garoto propaganda e o alto escalão do Ministério da Economia a apadrinhar a aventura.

Com poucos financiadores na praça, a ITA ainda tinha um desafio, o técnico: faltava o aval da Agência Nacional de Aviação Civil. Os conselheiros estavam reticentes, mas, segundo uma fonte da ANAC, houve pressão da Infraestrutura e do Ministério da Economia para avalizarem o plano de voo do comandante Piva. Com pouco crédito bancário na praça, restrições de viagens, cenário contra e previsões pessimistas, todos sabiam que era questão de tempo a ITA – a única empresa aérea no mundo nascida no meio de uma pandemia – entrar numa turbulência que a própria companhia forjou para seu céu. A tempestade veio e, pior, os atingidos são os passageiros.

A conta chegou: Ao todo, são cerca de 5 mil passageiros prejudicados até o réveillon, e quase 40 mil bilhetes cancelados para janeiro e fevereiro. Centenas de pessoas, algumas sem muitas condições financeiras, continuam a dormir em aeroportos – como mostram emissoras de TV – porque estavam a caminho de casa, ou visitar familiares, e nem têm para onde ir.

Mas quem é Sidnei Piva, o controlador da Itapemirim, e como ele chegou ao posto máximo do grupo fundado por Camilo Cola – que faleceu neste ano?

O cenário de caos criado por Sidnei Piva – que vendeu a imagem de bom gestor na mídia e agora sumiu das telas – vem do desastre administrativo criado por plano ganancioso, irresponsável e desregrado. A companhia aérea ITA já nasceu toda encrencada. O fracasso da ITA começou no chão, com a operação de apenas um Airbus no primeiro mês, e depois mais três aparelhos da fabricante norte-americana em atividade até na sexta-feira. Muito pouco para quem ofertava no site vários destinos nacionais. Num arroubo megalômano, Piva, em entrevista, ainda anunciou que compraria mais 50 aeronaves.

Segundo fontes próximas da família Cola, que presenciou a negociação poucos anos atrás, Sidnei Piva se uniu a dois ex-executivos da Viação Itapemirim e convenceu o fundador Camilo Cola, já idoso e afastado do grupo, a vender a empresa pelo preço simbólico de R$ 1. Os novos controladores, assim, assumiriam as dívidas de centenas de milhões acumuladas por anos com impostos da União e passivo trabalhista. Assinada a recuperação judicial da empresa, sob novo comando, a empresa derrapou na papelada e saiu da pista com Piva ao volante.

A família Cola foi à Justiça – e pretende recuperar o controle da empresa que vendeu. Admite que fez um mau negócio, mas aponta má-fé na compra por Piva e sócios, descumprimento de cláusulas de pagamento a credores – como a venda de terrenos para fazer caixa – e conluios diversos. Piva nega tudo, e no contra-ataque, diz que a família fundadora é quem age de má-fé, e que a compra da empresa seguiu critérios claros nos contratos. Fato é que, nesse vaivém de acusações, houve semana passada um pedido para nova assembléia de credores. Há uma tentativa de parte deles de destituir Sidnei Piva do comando da empresa. A Justiça de São Paulo não acolheu esse pedido de assembleia – e até um desembargador, agora, foi denunciado ao Conselho Nacional de Justiça por suspeição no caso.

Os Cola, então, continuam no ponto de ônibus à espera de uma decisão e mantêm as ações na Justiça para cobrar um pente-fino na gestão de Piva. A família fundadora não tem a ver com o lançamento da aérea que acaba de quebrar, que decolou à revelia de parte dos credores. Neste interim, morreu Camilo Cola, o criador do império sobre rodas, e hoje uma neta, a mais próxima do falecido, filha de Camilo, representa o clã no imbróglio.

No mercado, os executivos das concorrentes sabiam que a ITA era uma aventura, mas numa forte jogada de marketing na imprensa, Piva conseguiu emplacar reportagens positivas e com planos fantasiosos para quem sequer tinha capital de giro e aviões suficientes nos pátios.

Piva encomendou os quatro Airbus em leasing, amparado por operação bancária, mas não conseguiu caixa. Mesmo assim, num plano irresponsável apostando no retorno imediato com a venda de passagens, contratou centenas de pilotos e comissários. Soma-se a esse cenário previsível de caos a leniência da ANAC, que fechou os olhos, pressionada por um presidente e dois ministros que apadrinharam a operação – mas pularam de pára-quedas na primeira turbulência e agora se calam. Piva pediu ajuda em telefones, contam fontes da Economia e ANAC, mas todos o abandonaram.

A jogada não rendeu resultados. Com dinheiro em caixa, as concorrentes engoliram a ITA no balcão de vendas com boas ofertas; o dinheiro não entrou; os salários começaram a atrasar e as distribuidoras de combustível no pátio começaram, semana passada, a cobrar a fatura à vista, cientes do calote iminente. E tudo desandou.

Com os salários atrasados de pilotos, comissários e pessoal do balcão, a insatisfação dos aeronautas era administrada com promessas. Mas sem querosene o avião não decola. E o alerta foi dado na sexta-feira à noite. Com aviões no chão, sem caixa, voos cancelados, e sem receber, funcionários abandonaram até o balcão de check-in da ITA nos aeroportos. A companhia de Piva virou uma piada no mercado, e ganhou a alcunha de Eita!

O caos para os passageiros abandonados continua no aeroporto. Cobrada por órgãos competentes, a ANAC, antes complacente, apertou o cerco à direção da aérea e cobrou um atendimento imediato aos prejudicados. Pouco foi feito. A ITA , além do e-mail – que pouco responde – criou um canal por telefone.

Em nota à Coluna, a ITA informa que “os supostos representantes do fundador sequer realizaram a abertura de inventário, bem como que não consta nenhuma imputação de irregularidade em relação a aquisição do Grupo Itapemirim”.

Complementa a nota que “não consta nenhuma disputa societária em relação à aquisição do Grupo Itapemirim, além de diversas imposições de multa por litigância de má-fé em desfavor da Família Cola, diante de manifestações infundadas e inverídicas visando tumultuar e obstar o soerguimento do Grupo Itapemirim”, e aponta que desejam “denegrir a imagem” da empresa.

Não é o que a família Cola diz. Municiada de calhamaços de documentos em desfavor dos novos controladores, os fundadores, com os pés no chão, mantêm ações judiciais que cercam Sidnei Piva e os sócios. Vem mais turbulência , no chão.

Atualização terça-feira (21), 19h50 – Em contato com a Coluna, a assessoria da ANAC informa que “Todo o processo está documentado, com prazos regimentais, seguiu o fluxo normal para o processo do tipo, rigoroso e com documentação. Não houve qualquer tipo de pressão”.