Criminosos lucram com suas histórias em filmes e séries como ‘Tremembé’? Entenda

Série do Prime Video reacende debate sobre direitos autorais de criminosos e os limites da dramatização de casos reais no Brasil

Elenco de 'Tremembé'
Elenco de 'Tremembé' Foto: Divulgação/Kelly Fuzar

A produção brasileira Tremembé, um dos lançamentos mais aguardados do catálogo do Prime Video, voltou a movimentar discussões nas redes sociais antes mesmo de chegar ao público — o que está previsto para ocorrer na sexta-feira, 31. Entre os questionamentos mais recorrentes dos internautas está a possibilidade de que os criminosos retratados na obra tenham sido remunerados pelo uso de suas histórias reais.

A série se inspira em crimes que marcaram a crônica policial brasileira nas últimas duas décadas, envolvendo personagens que acabaram condenados e cumprindo pena na Penitenciária Doutor José Augusto César Salgado, o famoso presídio de Tremembé, no interior de São Paulo. O local ficou conhecido justamente por receber detentos de grande repercussão midiática, como Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá — condenados pela morte da filha Isabella Nardoni —, Suzane von Richthofen e os irmãos Cravinhos — responsáveis pelo assassinato dos próprios pais — e Elize Matsunaga, condenada por matar e esquartejar o marido, o empresário Marcos Matsunaga.

Embora os casos já tenham sido retratados em documentários, entrevistas e dramatizações anteriores, Tremembé promete um olhar mais aprofundado sobre o cotidiano das presas e a convivência com o peso das próprias histórias. A produção mistura elementos ficcionais com acontecimentos reais, reconstruindo não apenas os crimes, mas também o ambiente social, as relações entre as detentas e a pressão constante da mídia.

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Criminosos lucram com histórias contadas na série?

Em entrevista à IstoÉ Gente, o jornalista Ullisses Campbell, autor do livro Tremembé: O Presídio dos Famosos, que inspirou a série Tremembé do Prime Video e também assina o roteiro da produção, afirma que os criminosos não lucram com a série nem com seus livros.

“Para a série, eles não são nem procurados. Eles não tiveram nenhum contato — os criminosos não tiveram contato nem comigo, nem com a produção, nem com os atores. Como são biografias não autorizadas, no livro eu tenho obrigação jornalística de procurá-los para saber se querem se manifestar, e todos disseram que não, que não quiseram. Então, o livro é produzido sem interferência deles”, diz Ullisses.

Já a advogada especialista em direito autoral Letícia Peres explicou que criminosos retratados em séries e programas não podem lucrar diretamente com os delitos que cometeram. Segundo ela, a legislação brasileira estabelece mecanismos para impedir o enriquecimento ilícito nesses casos.

Quando há condenação, o Ministério Público ou as vítimas podem solicitar à Justiça o bloqueio de valores, garantindo que qualquer eventual remuneração seja destinada ao pagamento de indenizações e à reparação de danos. “A Justiça costuma avaliar se há vínculo entre o conteúdo divulgado e os fatos criminosos, podendo restringir ou redirecionar os ganhos obtidos”, afirmou Peres à nossa reportagem.

Ainda assim, a especialista destaca que a remuneração não é completamente descartada. Um criminoso pode receber direitos autorais caso a obra aborde aspectos de sua vida que não estejam diretamente relacionados ao crime, ou quando sua participação no conteúdo é considerada indireta. Nessas situações, cada caso é analisado individualmente, e contratos podem ser contestados judicialmente.

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Liberdade de expressão e interesse público

O tema ganhou respaldo jurídico em 2015, com a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 4.815, que autorizou a produção de obras baseadas na vida de figuras públicas, incluindo criminosos de grande notoriedade. A Corte entendeu que fatos de ampla repercussão social integram a memória coletiva e são protegidos pelo direito à informação e à liberdade de expressão, desde que não violem direitos de personalidade.

Desde então, séries que abordam crimes reais, como Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime (Netflix) e A Menina Que Matou os Pais (Amazon), tornaram-se um fenômeno de audiência, ao mesmo tempo em que despertam reflexões sobre os limites éticos desse tipo de entretenimento.

Com o lançamento de Tremembé, esse debate volta ao centro do palco, mostrando que a relação entre mídia, crimes de grande repercussão e interesse público segue provocando fortes reações — especialmente quando as narrativas envolvem personagens que ainda continuam cumprindo suas penas e cujo nome segue marcado na memória do país.

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Referências Bibliográficas

Letícia Peres é advogada com trinta e três anos de experiência, especializada em Direito Civil e Processual Civil, com ênfase em Direito de Família e Sucessões. É associada ao IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família e membro dos Comitês de Responsabilidade Civil da ABA – Associação Brasileira de Advogados, no Estado do Rio de Janeiro, e da OAB Barra da Tijuca, também no Estado do RJ. Possui pós-graduação em Direito Processual de Família e Sucessões, Direito Civil e Processual Civil, além de MBA em Gestão de Negócios.