A decisão do Supremo Tribunal Federal favorável à tese de que é crime deixar de pagar o ICMS já declarado incentiva a sonegação de impostos, causa prejuízos à economia e representa uma interferência do Direito Penal no Direito Tributário. Esta é a opinião de tributaristas, criminalistas e constitucionalistas especializados no tema.

O STF já formou maioria a favor do entendimento. São seis votos contra três. Suspenso na quinta-feira,12, após pedido de vista do presidente da Corte, Dias Toffoli, o julgamento deve ser retomado na próxima quarta, 18. Além de Toffoli, Celso de Mello deve votar.

O tributarista Tiago Conde Teixeira, sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, destaca que a decisão terá grande impacto negativo na economia.

“Agora, o pequeno e o médio empresário vão optar por não declarar esse imposto. Porque se declarar ele poderá ser enquadrado num tipo penal. Então ele deixará de declarar e vai simplesmente sonegar o imposto. Aliás, vai ser mais fácil sonegar”, afirma Tiago Conde Teixeira.

O tributarista aponta outra questão que, para ele, é ‘extremamente grave’.

A pressão pela arrecadação vai ser tão grande que, segundo Conde, levará os agentes do fisco a não fazerem distinção entre o contribuinte apenas inadimplente e aquele que tem o intuito de fraudar o Tesouro. “Inadimplência e fraude são conceitos completamente distintos”, diz.

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Tiago Conde destaca que o ‘Direito Penal e o Direito Tributário não admitem analogia, mas foi isso que o Supremo trouxe com esta decisão’.

O criminalista e professor de Direito Penal da EDB (Escola de Direito do Brasil), Fernando Castelo Branco, assinala que o artigo 5, inciso 67 da Constituição, cláusula pétrea, determina expressamente que ‘não haverá prisão por dívida, apenas no caso de pensão alimentícia’, em uma já consolidada jurisprudência.

Castelo Branco também vê conflito entre as diferentes vertentes do Direito. “O Estado tem meios absolutamente necessários e eficazes para cobrar as suas dívidas, sem a necessidade de fazer uso do Direito Penal, que é a última esfera de proteção social”, opina.

O advogado demonstra preocupação com a cobrança sobre a pessoa física que representa uma pessoa jurídica.

“Não se pode atribuir à pessoa física determinada, que representa a pessoa jurídica, a necessidade e a obrigatoriedade de pagar, porque, caso contrário, ela responderá criminalmente por essa sonegação. Essa pessoa, obviamente, zelando pela sua integridade, vai querer pagar o mais rápido possível, para não ter essa mácula criminal em seus antecedentes”, acentua Castelo Branco.

Para Vera Chemim, constitucionalista, ‘é improvável a prisão pelo não recolhimento de ICMS anteriormente declarado pelo contribuinte, uma vez que as penas previstas são de detenção de seis meses a dois anos e multa o que levará à substituição desse tipo de condenação por medidas restritivas de direitos’.

“Mas o agente não será mais réu primário, na hipótese de reincidência.”

Ainda de acordo com Chemim, a tese do ministro relator Luís Roberto Barroso determina que é preciso provar o dolo, ou seja, a vontade do agente em não ‘recolher’ o tributo descontado ou cobrado – conforme prevê a redação do artigo 2.º da Lei nº 8.137/1990 -, pois não existe apropriação indébita ‘culposa’. “Desse modo, no presente caso, a ação penal terá continuidade na primeira instância para que o juízo competente possa apurar fatos e provas no sentido de reconhecer o dolo do agente ou a sua inocência. Caso se venha a constatar que o contribuinte não tenha recolhido o ICMS por algum tipo de dificuldade financeira de sua empresa, como por exemplo a incapacidade de pagamento de salário de seus empregados, a referida conduta não seria criminalizada”, explica.

O tributarista Guilherme Guimarães Oliveira, sócio do Oliveira e Belém Advogados, avalia que ‘a decisão do Supremo traz insegurança, já que não inclui elementos que definam o conceito de contumácia’.

“A falta de critérios claros levará a uma batalha nos tribunais para se chegar a uma definição de contumácia. Haverá ainda um longo caminho para se diferenciar o devedor eventual ou reiterado do devedor contumaz”, prevê Oliveira.

Ele aponta como exemplo um possível contribuinte que, em reiterados momentos de crise econômica, optar por pagar os salários e os custos de sua operação com os recursos que seriam devidos a título de ICMS. “Estará agindo de maneira contumaz e dolosa? Só o tempo dirá. A decisão não pôs um fim ao imbróglio. Ele está apenas começando.”


Daniela Floriano, sócia da área Tributária do Rayes & Fagundes Advogados, ressalta que ‘a culpabilidade é um elemento subjetivo e, justamente por isso, precisa ser analisada caso a caso’.

“O STF não pode ignorar a peculiaridade da norma penal e, por consequência, do tipo”, recomenda Daniela Floriano. “A culpabilidade, como disse, elemento essencial para a aplicação dessa norma, não pode, em nenhuma hipótese, ser pressuposto.”

Para ela, ’em uma análise prática, a decisão pode, sim, e em certa medida, estimular a sonegação, mas penso que essa conclusão aplica-se apenas aos médios e pequenos contribuintes, os quais realmente possuem dificuldades de caixa para pagar seus tributos’.

Daniela Floriano entende que a decisão do STF pouco afetará os grandes grupos. “Para os grandes (proporcionalmente os maiores devedores, também) a declaração sem pagamento, em geral, é uma decisão muito bem planejada e, para esses, penso que a decisão do STF pouco afetará o ritmo de suas operações.”

Wilson Sales Belchior, sócio do Rocha, Marinho e Sales Advogados e Conselheiro Federal da OAB, prefere aguardar o final do julgamento para observar o alcance e os contornos do precedente que será fixado, ‘pois a sua interpretação precisa ocorrer no sentido das garantias que a Constituição oferece ao contraditório e à ampla defesa, inclusive na seara administrativa’.

“Não se pode estimular que a arrecadação de impostos aconteça fora das balizas da legalidade, tampouco se deve incentivar que as obrigações fiscais não sejam cumpridas da forma que a lei determina”, diz Belchior.

Geraldo Wetzel Neto, sócio da área Tributária e ICMS da Bornholdt Advogados, não acredita em um aumento da sonegação. “Eu entendo que a sonegação não vai aumentar porque as penas são diferentes entre inadimplência e sonegação. Mas, certamente irá desestimular o empresário brasileiro e o empreendedorismo em geral. Porque a criminalização da inadimplência foge dos parâmetros internacionais, inclusive de tratados que o Brasil já celebrou.”

Wetzel Neto presume que um empreendedor em situação de crise terá que escolher entre não recolher o tributo declarado ou pagar a folha de salários. “Então, teremos situações em que o empresário tenderá a discutir questões na esfera trabalhista, que não teriam reflexos criminais, deixando de pagar, por exemplo, o salário de funcionário, para priorizar o pagamento do tributo. Tudo isso, para não cometer um crime, ser julgado, condenado e até mesmo ser preso.”


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