Crescem relatos de violência com motivação étnica no Sudão

Crescem relatos de violência com motivação étnica no Sudão

"ANotícias de atrocidades cometidas por grupo de paramilitares vêm aumentando na cidade sudanesa de Al Fasher, na região de Darfur. Cerca de 90 mil pessoas já teriam fugido do local nos últimos dias.Já se passaram pouco mais de duas semanas desde que as chamadas Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês) capturaram a cidade de El Fasher, no oeste do Sudão. Desde então, relatos de assassinatos em massa, violência étnica, sequestros e agressões sexuais têm aumentado. Testemunhas contaram à imprensa que pessoas estão sendo alvejadas por causa de sua etnia.

As RSF estão em guerra com as Forças Armadas Sudanesas (SAF) desde abril de 2022. O conflito foi desencadeado pela relutância do comandante supremo das RSF, Mohammed Hamdan Daglo, conhecido como Hemeti, em integrar suas unidades paramilitares às SAF. As RSF surgiram do chamado Janjaweed, grupo fundado pelo ex-governante Omar al-Bashir em 2019. Os Janjaweed são responsáveis ​​por inúmeras violações dos direitos humanos durante o conflito de Darfur , por volta da virada do milênio.

Não é a primeira vez que o público testemunha massacres na importante cidade de El Fasher, afirma Hager Ali, especialista em Sudão do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), sediado em Hamburgo. "Mas a escala da brutalidade atingiu um novo nível chocante. A violência e a brutalidade das RSF progrediram a tal ponto que praticamente qualquer pessoa que não as apoie com entusiasmo suficiente, que não queira se juntar a elas ou que se coloque no caminho de qualquer combatente é ameaçada. Não é mais necessária uma ordem ou uma cadeia de comando para desencadear essa violência."

Estimativas sugerem que até 90 mil pessoas fugiram de El Fasher nos últimos dias, disse à DW Kelly Clements, alta comissária adjunta da Agência da ONU para Refugiados (Acnur). "As pessoas estão chegando sem absolutamente nada. Estão profundamente traumatizadas." Cerca de 87% dos refugiados que chegam ao Chade são mulheres e crianças. "Isso está acima da média." A maioria das mulheres e meninas foi atacada ou vítima de violência sexual, segundo Kelly.

"Desde o início, as RSF retrataram seus avanços táticos no campo de batalha como maiores e mais significativos do que realmente eram", explicou o especialista Ali, delineando as razões para a brutalidade. "Portanto, é razoável supor que, após sua derrota em Cartum, eles queiram realizar uma grande tomada de Darfur e enviar uma mensagem intimidatória às SAF."

Ali prosseguiu, dizendo que a questão também diz respeito às matérias-primas do país, como o ouro e a versátil resina de acácia, a goma arábica. "Cada vez mais, crescem os relatos de que a RSF está tentando exportar esses recursos pelas fronteiras do país. É assim também que a RSF financia seu próprio governo, que atualmente está tentando estabelecer."

Suspeitas de prisões em massa e massacres

As evidências de que prisões em massa e assassinatos ocorreram em Al Fasher e arredores aumentaram recentemente. O Laboratório de Pesquisa Humanitária (HRL) da Escola de Saúde Pública de Yale relatou ter identificado "objetos semelhantes a cadáveres" em vários locais.

Essas observações corroboraram relatos de execuções e assassinatos de pessoas que tentavam deixar a cidade. Além disso, o HRL de Yale encontrou diversos relatos confiáveis ​​de assassinatos em massa em Al Fasher nas redes sociais e em fontes públicas.

A ONG Centre for Information Resilience (CIR) também divulgou imagens verificadas de prisões e assassinatos em massa a noroeste de Al Fasher. Os incidentes ocorreram ao longo de uma rota comum usada por civis que fugiam de Al Fasher para a cidade de Gurnei, aproximadamente 320 quilômetros a oeste. O CIR também relata ter registrado diversos indicadores de violência sexual relacionada ao conflito.

Já em meados de setembro, a organização Sudan War Monitor alertou para a escalada da violência em Darfur. Na época, relatou um ataque direcionado com drone à Mesquita Al-Safiya, precisamente no horário das orações de sexta-feira.

"Os assassinatos em Safiya aumentaram os temores de que a campanha das RSF não visa apenas uma vitória militar, mas também a limpeza demográfica". Há ainda diversos relatos de fome sistemática.

Difíceis esforços de paz

Nesta terça-feira (11/11), o ministro do Exterior do Egito, Badr Abdelatty, reuniu-se com o chefe das SAF, general Abdel-Fattah Burhan, em Porto Sudão. De acordo com relatos oficiais, Abdelatty reiterou o plano de paz apresentado em setembro pelos EUA, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Este plano prevê um cessar-fogo humanitário de três meses, seguido por um processo político de nove meses.

As RSF declararam na semana passada que concordavam com o cessar-fogo humanitário proposto pelo quarteto. As SAF declararam que saudavam a proposta, mas só concordariam se as RSF se retirassem das áreas civis e entregassem as suas armas.

Ali tem dúvidas se o envolvimento internacional pode realmente pôr fim à guerra. "Infelizmente, a única coisa que poderia proporcionar proteção imediata às pessoas no terreno são contramedidas militares. Por exemplo, zonas de segurança e escoltas armadas para evacuar civis."

Sanções e embargos são muito importantes, acrescentou. "Mas demoram muito tempo para surtir efeito. E o destacamento da Força Africana de Alerta ou de uma missão de manutenção da paz requer um mandato do Conselho de Segurança da ONU. E, claro, a Rússia pode vetar isso. Portanto, neste momento, parece muito difícil."