Gerardo Salluco se prepara para passar a segunda noite estacionado na longa fila de ônibus, à espera da abertura de um posto de gasolina sem combustível, vigiado por dois militares. Suas viagens se tornaram eternas desde que o diesel ficou escasso na Bolívia.

O país de maioria indígena, que na semana passada foi abalado por uma tentativa fracassada de golpe militar denunciada pelo governo, enfrenta a sua pior crise desde o “milagre econômico”, quando o governo do presidente socialista Evo Morales nacionalizou a indústria do gás em 2006.

O dia quase chega ao fim e Salluco ainda espera que a fila finalmente comece a andar.

“Já estou na minha segunda noite, (é) uma espera cansativa porque de repente começam a vender, então tenho que ficar atento”, diz esse motorista de 49 anos, coberto com um agasalho térmico cinza.

Salluco transporta passageiros entre a Bolívia e o Chile há 12 anos. No fim de semana, ele chegou a La Paz para abastecer-se de diesel, mas “não tem” combustível. “Estamos mal, não há por que nem como negar”, lamenta.

Em El Alto, cidade vizinha a La Paz e reduto político da esquerda no poder, Claudio Laura também parou seu caminhão-tanque em uma longa fila de veículos que leva a outro posto, também sem combustível.

“Cheguei na fila às quatro da tarde e esta noite fiquei aqui para dormir”, conta este homem de 33 anos. Ele traz combustível do Peru e do Chile, mas agora não tem como se deslocar.

– “Querem nos distrair” –

A Bolívia, que junto com o Chile e a Argentina forma o triângulo do lítio, um recurso fundamental na transição para as energias limpas, enfrenta uma seca de dólares, diesel e gasolina desde o ano passado.

O gás, motor que moveu a economia desde a sua nacionalização, perdeu força pela falta de investimentos em exploração.

Até 2022, as exportações caíram pouco mais de 50% em relação a 2013, quando atingiram o seu máximo. O país usou as suas reservas em dólar para manter subsídios ao combustível, que importa a preços internacionais.

Em meados de junho, o governo de Luis Arce ordenou o envio de militares aos postos de abastecimento para evitar o contrabando interno ou o contrabando para o Peru e a Argentina.

Segundo a petrolífera estatal YPBF, boa parte do problema vem dos rumores de escassez que circulam nas redes sociais, que geram um “excesso de demanda” por combustível.

“O produto está garantido”, declarou o presidente da empresa boliviana, Armin Dorgathen.

No entanto, o sindicato dos transportadores de carga convocou um protesto na semana passada com bloqueios de estradas contra a escassez de combustível.

O governo de Arce chegou a um acordo para desativar o protesto antes do início da tentativa de golpe militar, cuja veracidade é questionada por opositores e até por Morales, ex-aliado do presidente.

“Percebemos algo assim, (que) querem nos distrair”, diz Gerardo Salluco, dentro do ônibus, referindo-se ao golpe fracassado. Mas a verdade – acrescenta – é que “não há dólares, não há diesel, temos que fazer fila”.

Diante da queda nas receitas do gás, a Bolívia também teve que injetar moedas no sistema financeiro. Se há uma década o Estado tinha 15,12 bilhões de dólares (cerca de 40,1 bilhões de reais na cotação da época) em caixa, no mês passado esse valor caiu para 1,79 bilhão (100 bilhões de reais na cotação atual).

Grande parte do déficit de dólares deve-se ao subsídio que o Estado concede às empresas que importam diesel e gasolina.

O Banco Central da Bolívia (BCB) fixou a cotação do dólar em 6,96 bolivianos.

No mercado clandestino a moeda é negociada 30% acima do preço oficial, enquanto os bancos privados só permitem o saque de 100 dólares por dia.

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