Cerca de 50 reféns ainda são mantidos pelo Hamas. Muitos parentes já perderam a esperança de que Netanyahu feche um acordo para trazê-los de volta, e depositam esperanças que Trump possa exercer pressãoEm uma noite em Jerusalém, algumas dezenas de manifestantes se reuniram em frente à sede do gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. O ato havia sido convocado às pressas porque, naquele momento, líderes políticos de alto escalão se encontravam no mesmo prédio para discutir as negociações indiretas com o Hamas por um cessar-fogo que poderia permitir a libertação de parte dos reféns.
Alguns dos presentes seguravam um grande balão amarelo em forma de laço — símbolo da campanha pela libertação dos reféns — coberto por adesivos com números escritos em marcador preto: 155, 344, 356. Esses números representam os dias que já se passaram desde que os refénsforam levados pelo Hamas.
A iniciativa começou com Rachel Goldberg-Polin, mãe de Hersh, assassinado pelo Hamas em Gaza em agosto de 2024, que passou a usar adesivos numerados para chamar atenção para o drama interminável dos reféns. Em julho de 2025, a contagem já ultrapassa a marca de 650 dias.
"Chega da era da seleção", dizia um dos cartazes, em referência ao processo que decide quem será libertado e quem continuará preso nos túneis de Gaza até um novo acordo.
Reféns assassinados enquanto negociações se arrastam
O caso de Carmel Gat ilustra o perigo enfrentado por quem ainda segue em cativeiro. Ela foi sequestrada em 7 de outubro de 2023, no sul de Israel, durante o ataque do Hamas. Ela estava na lista dos que seriam libertados no acordo de novembro de 2023, que trocou mais de 100 reféns israelenses por 240 prisioneiros palestinos. Com o fim da trégua, no entanto, permaneceu nas mãos do grupo.
Após 328 dias, Carmel e outros cinco reféns foram encontrados mortos em um túnel no sul de Gaza. Segundo a perícia, todos foram executados à queima-roupa. Carmel tinha 40 anos.
O primo dela, Gil Dickman, tornou-se uma das vozes mais ativas pela libertação dos que ainda estão em poder do Hamas. À DW, ele afirmou que o atual estado das negociações passa uma sensação de "deja vu".
"Um ano atrás, em julho de 2024, e vários familiares de reféns estivemos com Netanyahu em Washington. A única diferença é que Carmel e outros cinco reféns ainda estavam vivos naquela época", lamenta. "Carmel poderia ter retornado se Netanyahu tivesse tomado a decisão certa."
Desconfiança crescente em relação aos líderes israelenses
Yehuda Cohen, pai de Nimrod, um dos cerca de 20 reféns que se acredita ainda estarem vivos, diz já não confiar que governo vai libertar os reféns.
"Não confio no meu próprio governo, não confio em Netanyahu. Só acredito que o governo americano poderá forçá-lo a fechar um acordo."
É um sentimento entre familiares e ativistas. Nos protestos de Jerusalém, muitos cartazes eram dirigidos a Donald Trump, e não a Netanyahu. Muitos pediam diretamente ao presidente dos Estados Unidos que intervenha para garantir um acordo que possa trazer os reféns de volta.
Longa lista de frustrações
Cohen lista os motivos da desconfiança: a insistência em manter tropas na faixa na fronteira entre Gaza e Egito e as denúncias de que assessores de Netanyahu teriam vazado documentos sigilosos ao tabloide alemão Bild para manipular a opinião pública a não apoiar um acordo. De acordo com Cohen, a lista de razões para não confiar no governo "é muito longa".
Enquanto Netanyahu teria dito aos parentes que nunca houve um cenário para libertar todos os reféns de uma só vez, o Hamas já declarou em várias ocasiões estar disposto a negociar o fim da guerra em troca da devolução dos sequestrados.
"É o nosso governo que insiste nessa seleção entre vidas", critica Dickman, acrescentando que é "doloroso" processar isso.
Mesmo assim, Cohen e Dickman apontam que qualquer tipo de acordo seria bem-vindo. Mesmo um acordo parcial significaria que a vez do meu filho está mais próxima", disse Cohen.
O dilema israelense
A história de Israel é marcada por situações de sequestro — do voo 171 da Sabena, em 1972, ao caso do soldado Gilad Shalit, mantido em cativeiro pelo Hamas entre 2006 e 2011. Com o tempo, consolidou-se na sociedade israelense o princípio de que ninguém é deixado para trás.
Dickman, no entanto, acredita que embora esse sentimento seja compartilhado pela opinião pública israelense, o mesmo não pode ser dito do atual governo.
"Hoje, o país é controlado por pessoas cujo visão de mundo é, na minha visão, mais jihadista do que israelense", diz, citando ministros da extrema-direita como Itamar Ben-Gvir (Segurança Nacional) e Bezalel Smotrich (Finanças), defensores da expulsão em massa dos palestinos de Gaza e da construção de colônias judaicas na área.
"Eles priorizam terra, não vidas humanas, e consideram seus objetivos sagrados", avalia Dickman.
Ele ainda ponta que luta pelo retorno dos reféns também é sobre o futuro de Israel. "Trata-se de uma questão se este país se tornará um país que está disposto a sacrificar a vida – a minha, a sua – pelos chamados objetivos 'sagrados', ou se continuará a ser um país onde a vida é o valor supremo."
Yehuda Cohen concorda: "Temos um primeiro-ministro comprometido apenas consigo mesmo. Há membros do governo que apoiam abertamente abusos contra prisioneiros, o que coloca meu filho sob risco de represáçoa. Não há solidariedade nessa sociedade; é cada um por si.”
Para ele, a única saída é seguir pressionando: protestar nos arredores do gabinete de Netanyahu, falar com a imprensa e manter viva a exigência pelo fim da guerra e pela libertação dos reféns.