Depois de deixar o mundo em suspense nas últimas semanas com o deslocamento de tropas na fronteira com a Ucrânia, ameaçando uma nova invasão, o presidente Vladimir Putin encontrou uma nova forma de fortalecer sua investida expansionista. Usou uma rebelião popular contra o presidente do Cazaquistão para intervir nessa ex-república soviética, esmagando o levante. Foram enviados 2,5 mil soldados de uma aliança pró-socialista àquele país, na maioria russos, a pedido do líder cazaque Kassym-Jomart Tokayev, que ajudaram a controlar as manifestações contra a alta de combustíveis. Oficialmente, o saldo foi de 164 mortos e 5,8 mil presos.

PROTESTO Manifestante ucraniana critica em Kiev a interferência do presidente russo, no último dia 9 (Crédito:SERGEI SUPINSKY)

Diplomatas de EUA e Rússia iniciaram conversas em Genebra para tratar do impasse na Ucrânia. Em Bruxelas, uma nova rodada de negociações fracassou na última quarta-feira, o que fez a OTAN declarar que aumentou o risco de um conflito. A Rússia está fazendo exercícios militares com munição real na fronteira. Joe Biden tem se unido aos aliados europeus para pressionar os russos contra a invasão. As ameaças são de sanções econômicas, mas a comunidade internacional teme que a ação russa na região arraste outras nações para um conflito armado. A Rússia está em situação belicosa com os EUA há meses. São 175 mil soldados acampados na fronteira com a Ucrânia, “em atitude defensiva”, segundo o discurso oficial. O presidente russo garante não ter intenção de invadir o vizinho. Mas não admite a filiação da Ucrânia à OTAN. Analistas apontam que o russo, enfrentando uma crise econômica e oposição interna crescente, teme que a Ucrânia receba apoio militar e econômico europeu e ocidental. Para Biden, há risco real de Putin invadir o Cazaquistão, como na anexação da Crimeia, em 2014. Daí a importância das negociações diplomáticas, para afastar a possibilidade de consequências imprevisíveis.

O governo Bolsonaro, que tem se mostrado um fracasso no tabuleiro internacional, acabou envolvido indiretamente nessa tensão. Na segunda-feira, 10, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, cobrou uma resposta “firme e unida” do Brasil no caso de ataque russo à Ucrânia, em conversa por telefone com o ministro das Relações Exteriores, Carlos França. O governo brasileiro evitou mostrar adesão ao pleito dos EUA. Uma nota do Itamaraty diz apenas que os dois “trocaram impressões e expressaram suas respectivas posições nacionais”. Houve um claro desacordo nessa conversa. Os americanos tomaram essa iniciativa porque Bolsonaro deve ir à Rússia em fevereiro, um encontro que vem sendo organizado desde 2021 (Putin chegou a saudar o Brasil pela resposta à pandemia, e Bolsonaro divulgou um elogio do russo às suas “qualidades masculinas” e “coragem”).

EM GENEBRA Al Wendy Sherman (EUA) e Serguei Ryabkov (Rússia) debatem situação da Ucrânia (Crédito:Alexey Vitvitsky )

Esse encontro de cúpula, por mero acaso, acabou colocando o Brasil numa encruzilhada. A diplomacia brasileira entrou numa saia-justa com os EUA, aliados tradicionais, diante da aproximação de Bolsonaro com o líder que é considerado por Biden a maior ameaça aos interesses americanos no mundo. Putin procura estreitar os laços com a América do Sul depois de ser segregado por boa parte do mundo após suas ameaças militares aos vizinhos e devido à repressão aos adversários políticos. O brasileiro, por sua parte, conta com o russo para romper seu isolamento. Depois da derrota de Donald Trump nas últimas eleições americanas, Bolsonaro não tem nenhum interlocutor internacional de relevância. Putin pode representar sua chance de voltar (ingressar, melhor dizendo) no cenário global.

É uma questão delicada para o Itamaraty, no momento em que o Brasil voltou a ter um assento no Conselho de Segurança da ONU (o que não se deve a nenhuma iniciativa do atual governo brasileiro, diga-se). De qualquer forma, as negociações seguem na Europa, diante de tensões crescentes. Jens Stoltenberg, secretário-geral da OTAN, ressaltou que os soldados russos na fronteira ucraniana representam um risco real de conflito e a aliança ocidental está preparada para uma resposta, caso a diplomacia não resolva o impasse. O vice-ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Ryabkov, repetiu que não haverá invasão.

Rodada de negociações em Bruxelas fracassou, o que aumentou o risco de um conflito entre Rússia e EUA

Wendy Sherman, veterana diplomata americana, disse que seu país não aceita o veto ao ingresso da Ucrânia na OTAN. Os Estados Unidos ainda teriam exigido a retirada dos soldados russos deslocados, reiterando a ameaça de “graves sanções”. A temperatura sobe, enquanto o mundo torce para que seja afastado o perigo de um novo conflito que lembraria os tempos sombrios da Guerra Fria.