Creatina é útil ou só moda? Especialista responde

Entenda os benefícios, riscos e para quem o suplemento é indicado

Creatina
Creatina Foto: Unsplash

Nos últimos anos, o suplemento de creatina se consolidou como um produto carimbado no universo fitness, especialmente entre os praticantes de musculação. Lotou prateleiras de mercados e farmácias, caiu no gosto de influenciadores e se tornou assunto constante em academias, conquistando um público além de atletas profissionais.

Mas, afinal, a creatina é um suplemento essencial para quem treina ou apenas mais uma moda? A resposta não é tão simples — e envolve bioquímica, ciência e, principalmente, orientação profissional. Para entender melhor o papel do suplemento, conversamos com Gustavo Starling Torres, médico do esporte e diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBEEM) e com Erick P. de Oliveira, professor associado do curso de Nutrição da Universidade Federal de Uberlândia e membro da Associação Brasileira de Nutrição Esportiva (ABNE).

A creatina natural

A creatina endógena (naturalmente produzida pelo organismo) é uma substância formada a partir de três aminoácidos: arginina, glicina e metionina. Ela é sintetizada no fígado, rins e pâncreas, e fica armazenada especialmente no músculo esquelético.

Sua principal função é garantir energia com maior velocidade durante exercícios de alta intensidade e curta duração, como sprints, saltos ou levantamento de peso. Isso acontece por meio do sistema de fosfagênio, em que um tipo de creatina chamada de fosfocreatina (ou creatina fosfato) ajuda a regenerar ATP (adenosina trifosfato), uma molécula que fornece energia para diversos processos celulares. Em outras palavras, a creatina garante assim mais força, explosão muscular e desempenho em atividades físicas vigorosas.

Além da produção endógena, a substância também pode ser encontrada em alimentos como carnes e peixes.

Por que a suplementação da creatina se popularizou

A produção natural do corpo e da ingestão da creatina por meio da alimentação pode não ser suficiente para saturar os estoques musculares, tornando a suplementação da creatina bem-vinda para diversos tipos de pessoas, como atletas de alto rendimento, idosos e pessoas com dietas veganas e vegetarianas, segundo o diretor da SBEEM.

O suplemento eleva os níveis intramusculares de creatina e fosfocreatina, acelerando a síntese de ATP durante o exercício. Isso permite realizar treinos mais intensos e mais repetições, promovendo a hipertrofia muscular (aumento da massa muscular).

Os benefícios são variados, especialmente se acompanhados de exercícios e dieta saudável: aumento de desempenho, ganho de massa muscular, melhora na recuperação muscular, além do combate à sarcopenia (perda de massa muscular devido a idade).

De acordo com o especialista, a popularidade do suplemento tem explicação científica e prática: “é uma substância com eficácia bem comprovada, custo acessível, segurança a longo prazo e ampla divulgação tanto nas redes sociais quanto entre profissionais de saúde e do esporte”.

Quem pode suplementar?

Inicialmente associada a atletas de elite e fisiculturistas, hoje a creatina é indicada também para atletas recreativos, assim como para idosos, pessoas com doenças neuromusculares e pacientes com sarcopenia (perda da massa muscular relacionada à idade).

Até indivíduos sedentários têm se beneficiado da suplementação, segundo Gustavo Torres, diretor da SBEEM. “Isso porque a creatina não apenas melhora o desempenho físico, mas também tem mostrado efeitos positivos na função cognitiva, saúde óssea e controle da glicemia”, explica.

Para atletas e praticantes regulares de musculação, a creatina potencializa os resultados e melhora a recuperação muscular. Já para os idosos, quando associada a treinos de resistência, as vantagens da suplementação vão além da academia: a creatina ajuda a prevenir quedas e a melhorar a qualidade de vida.

Além disso, a creatina pode beneficiar pessoas com dietas vegetarianas e veganas, uma vez que a ingestão da creatina natural é maior em quem consome carnes e peixes. “Esses grupos costumam ter estoques musculares mais baixos e, por isso, respondem bem à creatina”, afirma Torres.

Como suplementar com segurança

A forma mais indicada para uso, segundo o especialista da SBEEM, é a creatina monohidratada. Ela é a forma mais estudada, segura e eficaz: “outras formas, como creatina HCl, micronizada, ou etil-éster, têm sido comercializadas, mas não demonstram superioridade significativa em eficácia ou absorção”, acrescenta.

A dose padrão é de 3 a 5 gramas por dia e deve ser ingerida preferencialmente com carboidratos e proteína, já que a absorção do produto pode ser levemente aumentada quando acompanhada de uma refeição, segundo Erick P. de Oliveira, da ABNE. “Quando é consumida junto com esses nutrientes, há um aumento na liberação de insulina, o que facilita a entrada da creatina nas células musculares, contribuindo para a elevação do estoque muscular”, diz. De acordo com Oliveira, é importante que o consumo da creatina seja diário, já que o efeito é cumulativo.

A dose máxima segura, em longo prazo, não está claramente definida, mas de modo geral, os estudos que avaliam o consumo até 10 g/dia por vários meses não apontaram toxicidade. Aumentar a dose acima do recomendado não potencializa os efeitos após a saturação dos estoques musculares, já que o excedente será excretado”, complementa o diretor da SBEEM.

Outro ponto importante é se atentar a qualidade dos suplementos disponíveis no mercado. Alguns produtos podem ter doses inferiores ao declarado, impurezas ou contaminação. Em abril deste ano, a Anvisa analisou a regularidade de 41 suplementos de creatina, avaliando o teor de creatina, adequação da rotulagem e presença de matérias estranhas. Todos os produtos tiveram resultados satisfatórios em relação à presença de matérias estranhas. Porém, das 41 marcas analisadas, apenas uma tinha a rotulagem adequada. Para saber o que procurar, o especialista da SBEEM indica produtos com certificação de pureza, como o selo Creapure®.

No geral, a creatina é segura para a maioria das pessoas, mas deve ser usada com cautela por pessoas com doenças renais ou risco aumentado de nefropatia (condições que afetam os rins), já que é excretada pelos rins. “O ideal é que seu uso seja orientado por um nutricionista, que vai solicitar exames para garantir que o suplemento seja seguro e considerar as necessidades e a saúde de cada pessoa”, recomenda Erick P. de Oliveira, da ABNE.

É possível ter resultados sem exercícios e dieta adequados?

Os efeitos do suplemento a creatina são intensificados quando combinados com atividade física e alimentação adequada.

No entanto, também há benefícios mesmo sem um treino intenso: “A creatina pode, sim, trazer benefícios mesmo sem exercícios, especialmente em idosos e pessoas com doenças neurodegenerativas. Para esses grupos, há evidência robusta de que a creatina melhora a força, previne a sarcopenia e contribui para o envelhecimento saudável”, explica o médico Gustavo Torres.

Erick P. de Oliveira ressalta, porém, que não vale trocar a suplementação por um cardápio equilibrado. “Uma dieta com quantidades adequadas de carboidratos, proteínas, frutas e vegetais é essencial para que o treino produza os efeitos desejados sobre a composição corporal e o desempenho físico”, afirma.

Útil ou só moda?

A creatina se mostra benéfica em diversos casos, mas o seu uso depende do contexto, objetivo individual e estilo de vida. Para quem busca melhorar o desempenho físico, ganhar força e massa muscular, prevenir a perda muscular com o envelhecimento ou suprir uma dieta restritiva, a creatina pode ser uma aliada. Ainda assim, como já dito, não substitui alimentação balanceada, rotina de exercícios e, principalmente, o acompanhamento de um profissional de saúde.