Tráfico de suprimentos médicos, desenvolvimento de crimes cibernéticos, assistência social para fortalecer o controle territorial: a COVID-19 se tornou “uma janela de oportunidades” para o crime organizado na América Latina – afirmaram especialistas em um fórum convocado pela Organização dos Estados Americanos (OEA).

Desde meados de março, quando o surto do novo coronavírus foi declarado uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os países se concentraram em atender a crise econômica e de saúde.

As medidas para evitar contágios, como fechamentos de fronteiras e confinamento da população, potencializaram as multinacionais do crime, longe de dissuadi-las.

“O crime organizado encontrou mais do que um desafio. Encontrou uma janela de oportunidades para se projetar”, afirmou na sexta-feira o diretor do Departamento de Crime Organizado Transnacional da OEA, Gastón Schulmeister.

A emergência “revalidou” estes grupos, disse ele, ao alertar sobre o “perigo de permeabilidade social, especialmente em um cenário de crise econômica”.

– Deslegitimação “alarmante” do Estado –

A “tendência mais alarmante” é a capacidade das organizações criminais transnacionais (TOC, em inglês) de preencherem as lacunas de um Estado ausente, substituindo-o como “um ator legítimo e prestador de serviços”, destacou o presidente da consultoria americana IBI Consultants, Douglas Farah.

No México, os cartéis distribuem comida e medicamentos; e, em Honduras, as gangues organizam campanhas de desinfecção de veículos para proteger da COVID-19 nos territórios sob seu controle, exemplificou.

Embora o poder nesses grupos ainda seja muito masculino, na última década uma mudança começou a ser observada no papel da mulher, por herdar o negócio de seus maridos, ou dos pais, ou por entrar no tráfico de drogas.

Schulmeister destacou “a visão de que não se deve pensar nas mulheres apenas como vítimas do crime organizado, mas também como vitimizadoras”. Ao mesmo tempo, pediu para que pensem nelas como “agentes de mudança, em papéis de policiais, ou investigadoras”.

– Ouro ilegal e máscaras –

Com as forças de segurança dos países concentradas na vigilância interna, o controle das fronteiras diminuiu, impulsionando outros negócios ilícitos, como o tráfico de ouro.

“Vemos uma enorme quantidade de ouro saindo da Venezuela, de Nicarágua”, afirmou Farah, que comparou a mineração ilegal “em grande escala” nestes países com um “sangramento”.

A Venezuela é o “foco regional” de onde sai o ouro para Brasil, Guiana e Colômbia, completou. No contexto de sua “adaptabilidade” à pandemia e de sua capacidade de aproveitar todas as “brechas no sistema”, as TOCs também apostaram em “diversificar” seus produtos, como remédios e vacinas para o coronavírus e o contrabando de máscaras.