13/05/2020 - 13:49
Em questão de horas, um bairro pobre no coração de Buenos Aires, onde mais de 40.000 pessoas vivem em superlotação, tornou-se a área com maior aumento de contágios por coronavírus na Argentina.
O crescimento dos infectados pelo novo coronavírus tem sido exponencial neste mega assentamento, chamado Villa 31, um dos mais antigos da cidade: passou de um caso no final de abril para 511 confirmados na terça-feira.
Enquanto os alarmes disparam, boa parte de ‘El Barrio’, como seus habitantes o chamam, ficou sem água por oito dias.
“Estamos ferrados porque nossa água foi cortada, (…) sou empregada doméstica e perdi o emprego”, protesta María Chaile, 37 anos.
Como ela, dezenas de pessoas caminham pelo bairro como se fossem tempos normais.
– Morrer de fome ou por coronavírus –
Na maioria dessas casas precárias de teto de zinco, umas sobre as outras e unidas por escadas em espiral pré-fabricadas, entra-se por corredores escuros e estreitos, quase sem ventilação.
Nessas casas minúsculas, feitas principalmente de tijolos e concreto ocos, muitas gerações da mesma família costumam conviver. Os cabos elétricos se misturam em um emaranhado que paira de uma fachada para outra no meio de ruas não pavimentadas.
Luis Fernando Guispert, um estudante de 28 anos que veio com os pais da Bolívia para Buenos Aires, vive lá desde os dois anos de idade.
“O número de contágios foi se multiplicando. A verdade é que preocupa, sendo um bairro de emergência com corredores fechados, o contágio pode ser incontrolável”, diz.
Segundo Guispert, muitos moradores do bairro, “uma cidade dentro de uma cidade”, desobedeceram a quarentena obrigatória decretada pelo governo Alberto Fernández em 20 de março, porque a maioria vive de diárias.
Grande parte dos moradores trabalha no setor informal, que representa mais de 25% do mercado de trabalho na Argentina.
“A ordem é ficar em casa, mas se você ficar em casa, não precisará comer; então ou você morre do coronavírus ou morre de fome”, resume Guispert.
– Em plena zona turística –
A Villa 31 foi fundada em torno da zona portuária de Buenos Aires no final da década de 1940, explica Valeria Snitcofsky, professora de história da Universidade de Buenos Aires (UBA), especialista nas “villas” da cidade.
“No começo reunia alguns migrantes italianos e migrantes internos, desempregados de uma Argentina rural em crise, e se somou depois a migração dos países vizinhos”, acrescenta.
A localização não poderia ser mais privilegiada: fica perto dos principais pontos turísticos da cidade, a poucos metros de Puerto Madero, uma área portuária de Buenos Aires com alguns dos restaurantes mais caros da cidade, e muito perto da estação Retiro, centro nervoso do transporte urbano.
Desde a crise econômica e política de 2001 na Argentina, a pior de sua história recente, o número de habitantes da Villa 31 não parou de crescer. Conta com um comércio local, que vai de salões de beleza a pequenos restaurantes. Tudo aberto.
Segundo o último censo de 2016, a Villa 31 possui 43.390 habitantes, mas os moradores dizem que há muito mais.
“Tem um nível de densidade semelhante ao das favelas do Rio de Janeiro”, diz Fabio Quetglas, diretor de mestrado em cidades da UBA.
Quase dois meses após o início do isolamento obrigatório, o governo continua preocupado com setores que ameaçam o sucesso do plano: prisões, asilos e bairros vulneráveis (onde há um total de 685 casos). Assim, começaram os testes em todos os assentamentos. Na Villa 31, mais de 50% dos testes realizados foram positivos.