Quando imaginou os Jogos Olímpicos, Pierre de Coubertin desejava reservar o torneio aos homens e a uma certa elite social, longe da noção contemporânea de universalismo, destaca o historiador do esporte Patrick Clastres em uma entrevista à AFP.

Pergunta: Como Coubertin teve a ideia dos Jogos Olímpicos?

Resposta: No momento de imaginar os Jogos, estavam ocorrendo as transferências de atletas internacionais. Entendeu o que hoje conhecemos como globalização esportiva, teve o mérito de entender o fenômeno que estava acontecendo diante dos seus olhos e o vestiu com traços da antiguidade, porque era uma maneira de que fosse aceito por todos os países do mundo. Pelo contrário, o projeto teria parecido muito inglês ou francês.

P: Quais Jogos ele imaginou em 1896?

R: Sua visão social, seu projeto, não é o dos Jogos Olímpicos para todos e para todas. Não imaginou que mulheres, trabalhadores ou indígenas pudessem competir, era uma dimensão ausente em seu projeto. O amadorismo, um dos valores iniciais do olimpismo, é uma noção nascida na Grã-Bretanha como uma barreira de gênero, de raça e de classe. Para Coubertin, o objetivo é fabricar uma elite internacional esportiva, nascida da aristocracia e da burguesia, que ele quer modernizar e reforçar com competições que requerem coragem e respeito do rival, valores aristocráticos mais próprios da Idade Média cavalheiresca do que da Antiguidade.

P: Com o passar do tempo, ele acabou querendo abrir o esporte para todas as classes sociais…

R: Em 1910, adotou a ideia de receber os trabalhadores em clubes sob a desculpa de “moralizá-los”. Pensava que a porta poderia ser entreaberta, desde que os jovens das classes populares aceitassem os códigos dos esportistas. Mas o fez porque nesse mesmo momento apareceram os clubes socialistas. A abertura preconizada por Coubertin tem como objetivo se adiantar aos socialistas, para que o esporte siga sendo uma atividade do patronato”.

P: Ele tinha a mesma ambiguidade com as mulheres?

R: Ele acreditava que as mulheres poderiam praticar esporte, mas não em público e não qualquer esporte, mas sim os esportes de elegância e feminilidade.

P: Foi um homem de sua época ou um reacionário para o seu tempo?

R: É certo de que temos que situá-lo em um contexto, mas inclusive em sua época nunca foi um vanguardista. E nunca foi um progressista, e em certos aspectos, foi bem mais reacionário, ou em todo caso um conservador.

P: No entanto, sua visão sobre esporte se tornou universal.

R: Os ideais de Coubertin, embora tenham sido combinados e transformados por seus sucessores, são os da paz internacional por meio de encontros esportivos, a ideia de fraternidade, a ideia de que não haveria classe social, nem raça, a ideia de um esporte que seria um espaço de neutralidade. Essas são ideias que são plebiscitadas por toda a humanidade. Não foi no sentido que Coubertin havia pensado, mas foi assim que se transformou ao longo do século XX.

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