Caixas com documentos e material de propaganda nazista dos anos 1940 são encontradas por acaso em meio aos trabalhos de criação de um museu da corte.Várias caixas contendo centenas de documentos, material de propaganda nazista e fichas de filiação a organizações nazistas foram encontradas nos arquivos da Corte Suprema de Justiça da Argentina, comunicou o tribunal neste domingo (11/05).
O material foi descoberto por acaso, em meio aos trabalhos de criação do museu da Corte Suprema e transferência de documentação de seus arquivos. As caixas estavam no porão do Palácio da Justiça da capital argentina, onde são arquivadas documentações não digitalizadas de processos antigos.
Segundo o tribunal, ao ser aberta uma das caixas, foi identificado "material destinado a consolidar e propagar a ideologia" de Adolf Hitler na Argentina durante a Segunda Guerra Mundial. Alguns documentos estão muito deteriorados, enquanto outros estão em bom estado.
As caixas, sete no total, foram abertas na sexta-feira passada e seu conteúdo foi colocado em depósito para ser classificado, documentado e preservado para investigar se ele poderia fornecer informações relevantes sobre eventos ligados ao Holocausto ou à fuga de nazistas para a Argentina.
O Museu do Holocausto está envolvido no trabalho de inventário e preservação, e seus representantes estavam presentes na abertura das caixas, junto com o presidente da Corte Suprema, Horacio Rosatti.
Segundo o jornal Clarín, uma inspeção inicial do conteúdo revelou itens de propaganda nazista, fotografias e centenas de cadernetas de filiação pertencentes à chamada Unión Alemana de Gremios (uma organização nazista clandestina), com uma suástica na frente rodeada por uma roda dentada.
Caso de 1941
A história dessas caixas remonta a 20 de junho de 1941, com a chegada a Buenos Aires de 83 pacotes enviados pela embaixada alemã em Tóquio a bordo de um navio japonês.
A missão diplomática alemã na Argentina declarou o conteúdo da remessa como "bens pessoais" da equipe da embaixada, solicitando sua "liberação gratuita".
Mas a alfândega suspendeu sua entrada no país e contatou o então ministro das Relações Exteriores, Enrique Ruiz Guiñazú, alertando-o sobre "possíveis inconvenientes, dada a quantidade e a natureza potencial do material, que poderiam afetar a neutralidade da Argentina no conflito", como comunicou a Corte Suprema neste domingo.
Naquela época, a Argentina era governada pelo presidente Roberto Marcelino Ortiz, que em setembro de 1939 baixara um decreto declarando a neutralidade do país sul-americano diante da guerra desencadeada na Europa.
Com a chegada das caixas a Buenos Aires, a Comissão Especial de Investigação sobre Atividades Antiargentinas, que fazia parte da Câmara dos Deputados e funcionou entre 1941 e 1943, entrou em ação.
O deputado Raúl Damonte Taborda, presidente da comissão, solicitou informações à alfândega sobre os embarques no navio japonês. Em 8 de agosto de 1941, representantes da alfândega, do Ministério das Relações Exteriores e da comissão parlamentar abriram cinco caixas aleatoriamente.
Nelas, eles encontraram cartões-postais, fotografias e material de propaganda do regime nazista, além de milhares de cadernetas de filiação à organização do partido nazista no exterior e à Unión Alemana de Gremios.
Os representantes diplomáticos da Alemanha nazista solicitaram que as caixas lhes fossem devolvidas para que pudessem ser encaminhadas à embaixada em Tóquio.
O governo argentino apoiou o pedido, mas a comissão recorreu à Justiça para impedir a devolução devido à presença de "propaganda antidemocrática prejudicial às nações aliadas da Argentina", e um juiz federal determinou a apreensão dos pacotes em 13 de setembro de 1941.
Três dias depois, em 16 de setembro de 1941, o juiz encaminhou o caso à Corte Suprema, pois se tratava de uma questão que envolvia diretamente um país estrangeiro e, portanto, era de competência da mais alta corte.
Argentina na Segunda Guerra Mundial
Embora a Argentina tenha permanecido neutra durante grande parte da Segunda Guerra Mundial, o site European Holocaust Research Infrastructure observa que uma "parcela significativa da população argentina era de origem alemã" e que "a propaganda nazista era altamente influente" no país.
Poucos meses antes do fim do conflito, no entanto, a Argentina declarou guerra ao Japão e à sua aliada, a Alemanha.
Em fuga da perseguição nazista na Europa, cerca de 24 mil judeus entraram na Argentina entre 1933 e 1943, de acordo com a Enciclopédia do Holocausto. Outros 20 mil judeus entraram ilegalmente no país.
Mas a Argentina também se tornou um refúgio para os criminosos de guerra da Alemanha nazista após o fim da Segunda Guerra Mundial. Estima-se que milhares de nazistas passaram pela Argentina ou se refugiaram no país depois da guerra. Entre eles estão criminosos como Josef Mengele e Adolf Eichmann.
Os casos de maior repercussão foram os de Eichmann, capturado em Buenos Aires em 1960 e julgado e executado em Israel; de Mengele, um médico conhecido por seus experimentos com prisioneiros, que se escondeu na Argentina e depois fugiu para o Paraguai e o Brasil, onde morreu; e de Erich Priebke, responsável pelo massacre das Cavernas Ardeatinas em 1944, durante a ocupação alemã da Itália.
Priebke foi preso na Argentina e extraditado para a Itália em 1995, onde morreu na prisão em 2013, cumprindo pena perpétua.
as (Efe, AFP, AP, Reuters)