O governador do Acre, Gladson Cameli (PP), está no centro de uma complexa investigação da Justiça por suspeita de corrupção e ligações com uma organização criminosa que atua no estado que ele administra desde 2019. Ele tornou-se réu esta semana por decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em processo que apura acusações de superfaturamento de contratos, desvio de verbas públicas e aceitação de benefícios como forma de propina, entre outras coisas. A Corte Especial é integrada pelos 15 ministros mais antigos do STJ.

As investigações

A ação foi proposta pela Procuradoria Geral da República (PGR) com base em dados obtidos pela Controladoria Geral da União (CGU) e que vêm sendo apurados pela Polícia Federal dentro da Operação Ptolomeu desde 2021.
A denúncia foi aceita pela Corte, que considerou haver fortes indícios de crimes por parte do governador.
As irregularidades podem chegar a R$ 150 milhões do dinheiro público desviado do estado.
No entanto, o mandatário permanecerá no cargo mesmo na condição de investigado.

A PGR acusa Cameli e mais 12 pessoas por crimes de organização criminosa, corrupção, peculato e fraude em licitações. Além de pedir ao STJ o afastamento do governador, a denúncia indica a participação no esquema de familiares dele, empresários e servidores por recebimento de propina e desvios em obras.

Foram encontrados indícios do recebimento de propinas na forma de um carro de luxo dado como “presente” e o pagamento de prestações de um apartamento de luxo em São Paulo, que pertenceria Cameli, segundo apurações da CGU. Em caso de condenação, além da perda do mandato, o governador estaria sujeito a uma pena que pode superar 40 anos. Ele foi denunciado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e participante de organização criminosa.

A relatora da ação no STJ, ministra Nancy Andrighi, escreveu de forma detalhada seu voto, que foi seguido por todos os demais ministros da Corte Especial. Ela mencionou que a CGU apontou que o esquema permitiu a contratação “indireta” de uma das empresas citadas no processo, a Rio Negro, pelo governo do Acre, o que configurou uma “tentativa de dar aparência legal de contratação sem licitação”.

Ao contestarem a denúncia da PGR, os advogados do governador alegaram que a denúncia é baseada em “supostos prints” de conversas mantidas por ‘e-mail’ e aplicativo de mensagens e que a integralidade do conteúdo extraído dos aparelhos apreendidos na fase do inquérito não foi juntada aos autos.

Também consta dos argumentos, que estão anexados ao processo no STJ, que a defesa não teve acesso aos laudos, aos conteúdos também extraídos de computadores e outras mídias apreendidas e nem ao conteúdo da quebra do sigilo bancário.

Corrupção no Acre
O atual governador é sobrinho do polêmico e já falecido ex-governador Orleir Cameli (Crédito:Divulgação )

Quando foi acusado pela PGR, Cameli negou as acusações e disse confiar na Justiça. Após o julgamento nesta quarta-feira, 15, o governador afirmou, em nota, que recebeu com “serenidade” a decisão do STJ de dar continuidade às investigações da Operação Ptolomeu.

“É importante destacar que o Tribunal fez justiça ao negar o pedido de afastamento do mandato que o povo do Acre me deu de forma legítima e democrática.”

Afirmou ainda que agora sua defesa “terá a tranquilidade e o espaço necessário para esclarecer dúvidas e repor a verdade”.

Segundo o governador, a decisão dá a “oportunidade de me defender no âmbito judicial. A Justiça cumpriu seu papel e seguirei colaborando no que for necessário e confiante na correção das falhas da investigação e na reafirmação minha idoneidade.”

A investigação contra o governador e demais acusados começou com a Operação Ptolomeu, deflagrada pela PF em 2021. Ao receber o inquérito, a PGR encontrou indícios de que a empresa Murano Construções, pertencente ao irmão do governador, Gledson Cameli, um dos sócios dessa empresa – e de outras firmas subcontratadas – teriam pago propinas ao governador em valores que superam os R$ 6,1 milhões por meio do pagamento de parcelas de um apartamento em bairro nobre de São Paulo e de um carro de luxo.

Na denúncia, os procuradores mencionam que os atos de corrupção e desvio de dinheiro teriam ocorrido também após o encerramento de contratos das empresas acusadas com a administração estadual. Pelas estimativas da PGR, o prejuízo aos cofres públicos atingiu R$ 150 milhões.

Polêmicas familiares

Ex-senador, Gladson Cameli tem 45 anos.
Elegeu-se deputado federal aos 28 anos em 2006, obtendo a reeleição em 2010.
Eleito governador em 2018 e reeleito em 2022, ele é sobrinho do polêmico ex-governador Orleir Cameli (1949-2013), político tradicional no estado.
Orleir governou o Acre entre 1995 e 1999 e foi alvo de denúncias de improbidade administrativa em 2000 por parte do Ministério Público, que alegou que empresas da família do governador foram beneficiadas por ilegalmente por medidas administrativas do Executivo.
As ações não prosperaram no Tribunal de Justiça do Acre. Na mesma época, um de seus filhos chegou a ser investigado pela Polícia Federal e Ministério Público Estadual por suposto envolvimento com um traficante internacional de drogas.