Yeltsin Jacques e Rafael Santeramo correm grudados e não é força de expressão. Jacques tem 0,5% da visão, enxerga apenas vultos, e precisa de um atleta-guia para participar da prova dos 5.000 mil metros nas competições. A dupla treina junta há mais de um ano e carrega relação de amizade de quase um ciclo olímpico.

No Parapan de Lima, no Peru, eles chegaram como favoritos ao ouro por causa dos resultados conquistados ao longo da temporada. E tudo ia nos conformes durante 4.000 metros, neste domingo. Rafael corria pelo lado de fora, cantava as voltas para Yeltsin e os dois monitoravam a dupla canadense e a equatoriana, os principais concorrentes ao primeiro posto. Mas a estratégia precisou ser alterada bem no sprint final.

A estreia em uma competição continental, o estádio cheio, o barulho, os torcedores na arquibancada e a pressão por defender um País favorito no atletismo passaram a pesar na cabeça de Rafael. O céu cinza da capital peruana ficou ainda mais escuro, as pernas já pareciam não obedecer o corpo. Ela queria desistir.

“Percebi que o Yeltsin estava sobrando e poderia brigar pelo ouro. Mas é uma prova que a gente tem de estar junto, sofrer junto. Falei para ele: ‘temos que mudar o combinado'”, disse Rafael em entrevista ao Estado. O companheiro tentou animá-lo. “Dizia: ‘vamo, vamo, não desiste’. Sabia que dava para pegar medalha.”

Rafael tentou se recuperar, respirou, forçou até onde dava, mas os canadenses abriram distância. Os equatorianos, que estavam um pouco atrás, emparelharam. Yeltsin e Rafael, presos por uma fita, não podiam se desprender ou seriam desclassificados. O corredor cego diminuiu o ritmo e viu deixar escapar a prata. Rafael, já cambaleando, cruzou a linha de chegada a tempo de ganhar o bronze.

“No meu primeiro Parapan em Guadalajara-2011 também senti a pressão. Não é fácil mesmo”, disse Yeltsin, que nasceu com baixa visão. No segundo evento continental, em Toronto-2015, ele superou o trauma e faturou logo dois ouros, um no 5.000m e outro nos 1.500m.

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Rafael caiu na pista e ficou estirado centímetros após terminar a prova. Yeltsin levantou a mão para pedir ajuda. Enquanto ninguém aparecia ele ia e vinha, mexia nos cabelos, ainda tentando digerir tudo o que havia acontecido nos 15 minutos e 41 segundos da largada até o final. Dois médicos entraram na pista e colocaram Rafael na cadeira de rodas. O atleta guia saiu carregado. Yeltsin caminhou sozinho em direção ao vestiário.


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