Em apuração preliminar, a Controladoria-Geral da União viu ‘concessão de vantagem indevida’ ao ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, caracterizada na promoção pessoal do aliado do presidente Jair Bolsonaro com a inclusão de sua imagem e elogios em bíblias distribuídas pela Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Goiânia – Ministério Cristo para todos, controlada pelo pastor Gilmar dos Santos.

O órgão enquadrou a conduta do religioso na Lei Anticorrupção e defendeu a instauração de um processo administrativo de responsabilização em face da Igreja, parecer que foi chancelado pelo Corregedor-Geral da União. Com relação ao ex-ministro Milton Ribeiro, não são descritas medidas tomadas pelo órgão, apenas a indicação de remessa do caso à Polícia Federal para adoção de ‘providências que considerar adequadas’.

As informações constam do relatório da CGU que faz parte do inquérito da Operação Acesso Pago – ofensiva que prendeu o ex-ministro Milton Ribeiro, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, o advogado Luciano Musse e o ex-assessor da Prefeitura de Goiânia Helder Diego da Silva Bartolomeu. Os investigados, no entanto, não chegaram a passar 24 horas sob custódia – foram beneficiados por uma decisão dada pelo desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a pedido da defesa de Ribeiro.

No documento em questão, a CGU diz que, segundo depoimentos de prefeitos colhidos no âmbito das apurações do órgão, os pastores do ‘gabinete paralelo’ instalado no MEC ‘se utilizaram de proximidade’ com o então chefe da pasta para pedirem recursos destinados à Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Goiânia.

Logo antes da menção ao procedimento administrativo contra a Igreja de Gilmar dos Santos, a CGU cita o caso do prefeito de Salinópolis (PA), Carlos Alberto de Sena Filho, que relatou às autoridades que foi procurado para comprar as bíblias e ‘ajudar a igreja’.

Nesse caso, a bíblia distribuída tinha em sua capa o nome de Gilmar Santos, sendo que o livro contava com foto do ex-ministro da Educação. Na página que trazia a imagem havia a descrição da ‘relação’ entre Ribeiro e o pastor: “Juntos têm realizado muitos seminários em diferentes regiões, levando adiante vários projetos de melhoria da Educação Básica”.

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Além disso, a Bíblia registrava: “agradecendo também ao prefeito Carlos Alberto de Sena da cidade de Salinópolis-PA pelo patrocínio na confecção dessas bíblias”.

Como mostrou o Estadão, o prefeito de Centro Novo do Maranhão, Júnior Garimpeiro (Progressistas), também patrocinou bíblias com foto de Milton Ribeiro quando ele era ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro. O exemplar é semelhante ao distribuído em um evento do MEC, em julho do ano passado, na cidade paraense.

“Nossos agradecimentos ao ministro da Educação, Milton Ribeiro, ao pastor Arilton Moura e ao prefeito Junior Garimpeiro, da cidade de Centro Novo do Maranhão-MA, pelo patrocínio na confecção dessas bíblias”, indica o livro.

As bíblias de Centro Novo estampam em suas primeiras páginas as imagens de Milton Ribeiro, de Gilmar Santos, de seu genro, o pastor Wesley Costa, e do prefeito com sua família. A relação entre Milton Ribeiro e Junior Garimpeiro se estreitou no ano passado por intermédio dos dois pastores.

A proximidade levou para Centro Novo do Maranhão – cidade a 260 km de São Luís – um evento do ministério com prefeitos maranhenses, em maio de 2021. “O Junior Garimpeiro é uma pessoa especial, é alguém que eu acredito que tenha até um futuro aí na política”, disse Ribeiro na ocasião.

A comissão investigativa da CHU tentou colher o depoimento de Júnior Garimpeiro, sem sucesso. O órgão citou o fato de reportagens sobre o ‘gabinete paralelo’ no MEC terem citado o município de Centro Novo e ainda destacou que o prefeito da cidade foi elogiado por Milton Ribeiro em seu depoimento. A indicação sobre Júnior Garimpeiro consta em item do relatório da CGU que elenca linhas investigativas não exauridas pelo órgão.

O documento da Controladoria ainda cita o relato de outros prefeitos, como o de Bonfinópolis (GO), Kelton Pinheiro. Ele disse que Arilton lhe fez a seguinte solicitação: “você só vai ajudar aqui a igreja do pastor Gilmar que está construindo um tempo, você, viu, compra umas bíblias dele para ajudar na construção”. Na ocasião, anda segundo o prefeito, lhe foi indicado que cada bíblia custaria R$ 50, podendo ele comprar mil unidades para distribuir.

O prefeito de Boa Esperança do Sul (SP), José Manoel de Sousa, também é citado pela CGU. Ele relatou que, em um restaurante, após evento no MEC, Arilton teria lhe ‘informado que conseguiria inserir a demanda do município no sistema e viabilizar a escola de curso profissionalizante’, mas, em contrapartida, a prefeitura ‘deveria fazer uma oferta à igreja’.

A Controladoria menciona ainda a cidade de Nova Odessa. O empresário José Edvaldo Brito disse que Arilton lhe solicitou doação de R$ 100 mil às obras missionárias, sendo que para atender o pedido, entrou em contato com Danilo Felipe Franco, que se comprometeu em doar R$ 67 mil.

O caso de Nova Odessa entrou na mira da Polícia Federal por suspeita de corrupção. Segundo Brito, os R$ 67 mil citados foram transferidos para três contas ligadas a Arilton. Um dos depósitos, de R$ 30 mil, é tratado pelos investigadores como pagamento de propina e foi enviado para a conta do genro do religioso, Helder Bartolomeu. Outros R$ 20 mil foram depositados na conta do advogado Luciano Musse, “infiltrado” pelos pastores no Ministério da Educação.

COM A PALAVRA, A IGREJA


Até a publicação deste texto, a reportagem buscou contato com a Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Goiânia – Ministério Cristo para todos, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestações.


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