Aguardada há anos como a forma de modernizar as relações trabalhistas entre patrões e empregados, a reforma trabalhista entrou em vigor no sábado 11 sob ameaça. Nas últimas semanas, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) vem fazendo duras críticas às mudanças nas leis e avisou que diversos pontos da reforma não se tornarão realidade por desrespeitarem a Constituição. Na visão do ministro do TST Maurício Godinho, por exemplo, caso a nova lei seja interpretada de maneira literal, a população não terá mais acesso à Justiça do Trabalho no Brasil, o que representaria uma ofensa ao princípio do amplo acesso ao Judiciário. A mobilização, porém, vem sendo considerada uma resposta de corporativismo do setor. “O Judiciário perde parte do poder que estava acostumado a ter”, diz Veronica Lagassi, professora de direito empresarial e do trabalho do Ibmec-RJ. “A Consolidação das Leis do Trabalho precisa se atualizar, caso contrário, perderemos mercado para outros países”, afirma.

A reação corporativa obrigou o representante máximo do Tribunal Superior do Trabalho, o presidente Ives Gandra Martins Filho, a se manifestar em favor das mudanças. “A lei está aí para ser cumprida e quem defende o contrário presta um desserviço à Justiça do Trabalho”, afirmou. Gandra Martins Filho considera que a reforma elevará os índices de emprego e pacificará as relações entre patrões e empregados. “É muita ignorância e preconceito acreditar que tudo será precarizado, quando na verdade está definido o que não pode se negociar. Aquilo que pode ser negociado é o que hoje o trabalhador já pede.”

Na verdade, o que se via até hoje era um grande ativismo judiciário alimentado em boa parte por lacunas existentes na CLT. “Se não há norma, o juiz aplicava princípios genéricos para estabelecer obrigações concretas de natureza econômica”, explica Gandra. Brechas na legislação e a certeza de que a Justiça sempre tendia para o lado do trabalhador fizeram crescer uma indústria de queixas trabalhistas da qual fazem parte não só os juízes do trabalho, mas promotores, fiscais, peritos e advogados trabalhistas (são 360 mil no País). Em 2016, foram registrados 2,7 milhões de novos processos. Julgados, 2,6 milhões. De janeiro a junho deste ano, foram mais 1,3 milhão de novas ações.

APOIO Gandra Martins Filho, presidente do TST, saiu em defesa das mudanças (Crédito:Valor Econômico / Agência O Globo)

PERDA DE RELEVÂNCIA

Trata-se, claramente, de um mercado lucrativo para quem o integra. O temor de grande parte dessas pessoas é o de que a reforma, que prioriza a negociação entre as partes, faça com que suas funções percam relevância. As críticas à existência de uma justiça específica para questões do trabalho, por exemplo, ganharam força nos últimos meses. Em um discurso na Câmara, o deputado federal Nelson Marchezan Júnior (PSDB-RS) disse que o judiciário trabalhista custa mais ao Estado do que entrega aos trabalhadores. Nas contas do parlamentar, a Justiça do Trabalho determinou no ano passado indenizações no valor de R$ 8,5 bilhões. No entanto, consumiu dos cofres públicos R$ 17 bilhões.

No contra-argumento, quem atua na justiça trabalhista pondera que a maior parte do que é nela processada é de pedidos de pagamento de direitos que deveriam ter sido assegurados. “Quase metade do objeto das ações trabalhistas diz respeito às verbas rescisórias”, afirma o advogado Roberto Parahyba, presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas. “Ou seja, verbas taxativamente previstas em lei.”

Depois de tanto esforço para que o País finalmente entrasse no século 21 no que tange às relações de trabalho, o que se espera é que interesses corporativos não levem tudo a perder, prejudicando os dois maiores beneficiados: patrões e empregados. “Se o Judiciário do trabalho atuar contrariamente à reforma, ocorrerá um grave problema: a de falta de incentivo ao próprio empregador para aplicar os benefícios da nova lei”, afirma Veronica Lagassi, do Ibmec-RJ.

JUSTIÇA TRABALHISTA NO BRASIL

  • 360 mil advogados especialistas
  • 26 ministros no Tribunal Superior do Trabalho
  • 24 tribunais regionais
  • em 2016, recebeu 2,7 milhões de novos processos
  • no mesmo ano, julgou 2,6 milhões de causas
  • de janeiro a junho de 2017, foram 1,3 milhão de processos em 1° instância
  • as 3 causas mais comuns são verbas rescisórias, horas extras e FGTS