A epidemia do coronavírus não é apenas uma emergência sanitária. Também é uma crise de autoridade. Não há líderes globais capazes de compreender o momento histórico e gerir a catástrofe. A propagação coincide com a ascensão do populismo nacionalista, que espalha mentiras e desinformação. Os maiores exemplos dessa mentalidade regressiva estão, infelizmente, nas Américas. Donald Trump minimizou a pandemia com bravatas para, em seguida, dar uma resposta irracional: fechou as portas dos EUA para a Europa, liberando num primeiro momento apenas o Reino Unido. Com o pânico batendo à porta, passou a adotar medidas drásticas, e já anunciou que o país deve entrar em recessão. Ele sabe que o coronavírus pode lhe custar a reeleição. O presidente do México, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, também desdenhou da doença e mostrou na prática como seu país não deve temê-la: sorridente, propagou fotos abraçando a população em comícios. No Brasil, Jair Bolsonaro fez o mesmo. E atacou seu ministro da Saúde exatamente quando esse demonstrava competência. Chamou várias vezes a gripe de “histeria” fabricada pela mídia.

Os populistas pregam o ceticismo, o negacionismo e a atitude anticientífica. Nos EUA, o discurso deles foi potencializado por crises poderosas, como o 11 de Setembro e a Recessão de 2008, que enfraqueceram a ideia da globalização. Também foram energizados pelas redes sociais, que minaram a imprensa e espalharam as fake news. Isso levou à ascensão da direita alternativa, que foi copiada por movimentos extremistas na Europa e é mimetizada agora no governo Bolsonaro.

Durante a gripe espanhola, que matou dezenas de milhões há cem anos, eram as autoridades, como o presidente Rodrigues Alves, que promoviam o conhecimento e combatiam a moléstia com a ajuda de sanitaristas. Agora, a ignorância é propagada pelo próprio mandatário. Foi a entourage de Bolsonaro que levou a doença para o círculo íntimo de Trump, no famoso jantar na Flórida chamado pelo “New York Times” de “hot zone” do coronavírus. É uma ironia. Um efeito da pandemia pode ser exatamente o abatimento das lideranças que resistem à modernidade e pregam o obscurantismo. Desde que se elegeu, Bolsonaro nunca esteve tão isolado.

Ao desafiar publicamente a doença quando apoiadores se manifestavam no dia 15 contra o Congresso e o STF, acelerou a ruptura com a maioria de centro e atraiu contra si até grandes apoiadores. E para coroar sua ínscia pessoal, pode virar uma vítima do coronavírus, que ajudou a espalhar.

Um efeito da pandemia pode ser o enfraquecimento das lideranças que espalham mentiras e desinformação