Ouvi de tudo, vi de tudo.

Ouvi autoridades bradarem que é preciso construir mais cadeias, vi presidiário guilhotinando presidiário com facão e baioneta, vi preso tirando coração de preso com dentes e mãos. Vi o Estado brasileiro, Leviatã de joelhos, a montar em presídios barreiras com contêineres para separar facções – o mesmo que dizer: ok, crime organizado, você venceu; mas com os contêineres, vocês, presidiários, pelo menos não mais se matarão uns aos outros.

Por que recorro à imagem de Leviatã ajoelhado? Porque no Estado moderno o monopólio legítimo da violência é do próprio Estado, mas no Brasil esse monopólio foi dado de mão beijada aos bandidos. Por que os contêineres? Porque os detentos estão, na formalidade da lei, sob a guarda do Estado que tem o dever (não é favor nem moeda de troca) de zelar pela incolumidade física e psíquica daqueles que ele institucionaliza. Por aqui se fala em erguer cadeias feito quem decorou somente a tabuada de adição e subtração: contamos o número de presos, hoje na casa de seiscentos e cinquenta mil, e contamos o número de mortos para saber quantas vagas foram abertas com os óbitos, diante da carência de celas – algo em torno de duzentos e trinta mil.

Ou passamos a atuar voluntariamente ou nos tornaremos a república dos contêineres

Eu não vi nem ouvi ninguém propondo aquilo que funciona: é preciso que a sociedade civil pare de choramingar e atue voluntariamente nos ambientes que vivem crianças, adolescentes, jovens e adultos que engrossam as facções criminosas. Tudo bem, o Estado tem esse dever, mas o Leviatã está anoréxico. E então, “bora lá”?! Artistas e esportistas, médicos e sociólogos, jornalistas e psicólogos, professores e assistentes sociais, advogados, juízes e promotores, empresários e banqueiros, todos nós, enfim, que tal a atuação voluntária nos locais de risco? Na Holanda, onde sobram celas porque a criminalidade despenca, há alto número de voluntários. Coversando com diversos deles, compreendi a seriedade de seus propósitos: “cuidamos dos jovens carentes e dos presos em nome da nossa própria segurança, não por generosidade”. Essa é a saída para o Brasil. Não se trata de privatizar presídios nem de o Estado abrir mão de seu dever ético de zelar pelos que foram postos em suas instituições totais e totalizantes. Trata-se, isso sim, de fazermos a nossa parte.

Basta de olharmos apenas para o nosso umbigo, caso contrário, de tanto nos vergarmos para vê-lo, ficaremos corcundas numa república de contêineres.