“Sou feliz. Trabalho com duas paixões, o sacerdócio e a música, e as duas fazem parte da minha vida, o que nunca imaginei”, diz o padre Marcos Pavan, regente do coral mais antigo do mundo, criado pelo papa Sisto IV em 1471, e responsável pela parte musical das celebrações do Vaticano. Em 2020, o papa Francisco assinou o decreto de nomeação do maestro brasileiro em 22 de novembro. Foi dele a ideia, “muito simpática”, de escolher a data, por ser o Dia da Festa de Santa Cecília, padroeira da música.

MAESTRO Padre Marcos Pavan: após reger as crianças, tornou-se maestro titular do coral adulto (Crédito:Divulgação)

O padre Marcos completou um ano à frente do coral da Pontifícia Capela Musical Sistina, ocupando a vaga deixada por Massimo Palombella. O brasileiro foi escolhido pelo bom trabalho que já vinha fazendo desde 1997 no coral das crianças, também chamado de “vozes brancas”, mais limpas e agudas por ser formado por 30 meninos entre nove e 13 anos, que precisam morar com a família em Roma. Até o século 19, as vozes desses garotos substituíam as das mulheres. Trabalhar com um coral dessa natureza exige prudência dobrada, porque os garotos rapidamente sofrem com as alterações vocais marcadas pela passagem à vida adulta. Há um movimento, conta o maestro, para que esses corais de “vozes brancas” sejam declarados como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

O padre paulistano se diz apaixonado deste os sete anos por música, que considera uma vocação, ou um dom, “como o de um jogador de futebol”. Ouvia muita música em casa, e também teve importante aprendizado na escola, desde pequeno. Depois se dedicou aos estudos com grandes professores, como a madre Maria do Redentor, que o levou para o coro de música sacra da Secretaria Estadual de Cultura. Teve aulas com Eugène Cardine, Leila Farah, além de Franco Iglesias, em Nova York, antes de entrar para o coral lírico do Teatro Municipal de São Paulo. Em paralelo, voltou-se para o sacerdócio, outra vocação — algo que se sente, mas não tem explicação. “É um chamado de Deus”, resume, lembrando das missas que frequentava ainda garoto. “Já achava legal a celebração, a dimensão espiritual que se dava à vida, a busca do sentido maior para o dia a dia.”

“Às vezes me encontro com o papa Francisco nas celebrações. Ele é sempre muito simpático”
Padre Marcos Pavan, regente do coral do Vaticano

Massa de tomate

Marcos Pavan estudou Direito na Faculdade do Largo São Francisco, da USP, antes de entrar para o seminário, em 1991. Foi ordenado padre em 1996, depois de ser acolhido pelo bispo do Campo Limpo, Emilio Pignoli. O mesmo religioso que depois o enviou para Roma, com uma bolsa de estudos para estudar na Faculdade de Filosofia e Teosofia dos dominicanos. “A viagem para a Itália foi repentina. Pedi demissão do Teatro Municipal e me mudei em 15 dias. Uma loucura. Foi um chamado para seguir em frente, uma força de Deus. Sentia saudades da família, mas como meus avós eram italianos e tinha primos por lá, a mudança não foi tão brusca. Eu já tinha massa de tomate na veia.” Na capital italiana ainda fez mestrado em Direito Canônico. Quando pensava que a vida seguiria no Brasil, foi chamado pelo maestro Giuseppe Liberto para reger o coral das vozes brancas. “Ele estava procurando um maestro para as crianças. Eu tinha formação em música, sabia ensiná-los a cantar e a preparar a missa”, lembra. Com a saída de Palombella do coral dos adultos — são 20 profissionais, todos leigos e concursados —, se tornou “maestro interino” em julho de 2019, até se tornar maestro titular.

Hoje o brasileiro é o responsável pela música litúrgica das celebrações do papa Francisco. “O repertório depende da duração do evento e do idioma, se é em latim ou italiano. Às vezes me encontro com o papa Francisco nas celebrações. Ele é sempre muito simpático e ligado ao público. Meu trabalho une o sacerdócio e a música sacra, que também é uma forma de oração. Sim, sou um privilegiado.”