Pouquíssimos escritores descreveram a vida — e o que ela de nós exige — com tamanha precisão, como Guimarães Rosa. “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Coragem deriva do latim cor, cordis, coração — não o órgão físico, mas a morada dos sentimentos. Não por acaso, os romanos relacionavam a coragem mais ao coração do que à razão. Aristóteles considerava a coragem o meio termo entre o temor e a audácia. Tomás de Aquino associava a virtude à “firmeza da alma por meio da qual o ânimo se conserva imóvel ante os perigos”.

O atributo, decerto, se impõe a todo e qualquer aspirante a ocupar a cadeira presidencial. Mas um candidato em particular, se quiser chegar lá, precisará de coragem em estado bruto para fazer o simples e o óbvio: encarnar ele mesmo. Refiro-me ao tucano Geraldo Alckmin. Parece simples, mas é complexo. Em 2006, o comportamento hesitante e ambivalente de Alckmin foi o grande responsável por sepultar suas pretensões eleitorais. Pressionado pelo PT, o tucano passou praticamente todo o segundo turno tentando se desvencilhar daquilo que ele pensa e é, ou seja, um político à direita do PSDB, liberal na economia e, portanto, favorável à privatização. Quando Alckmin posou diante das câmeras com um bonezinho do Banco do Brasil e uma jaqueta com logomarcas da Petrobras, da Caixa e dos Correios o constrangimento foi geral. E eleitores escorreram-lhe pelas mãos.

O resto é história.

A diferença crucial, agora, é que nunca os anseios do eleitor estiveram tão próximos do que Alckmin personifica — um político conservador, católico, associado ao respeito à família e à ordem. Mais um motivo para ele ser o que é. O tucano terá de ter coragem, no entanto, para mostrar de que lado está em relação aos costumes. De novo, parece fácil. Para se diferenciar de Jair Bolsonaro, de quem precisa tirar votos, bastará ser Alckmin na essência: aquele que criou a lei contra a homofobia em São Paulo, mas que, como cristão, concorda que a agenda ideológica de gênero extrapolou os limites do razoável e deve obrigatoriamente passar ao largo de nossas crianças. Fará? A ver.

Na economia, também não precisa mudar de figurino. Já incorporou Pérsio Arida à equipe econômica — sinônimo de estado menor, eficiente, sem descuidar do social. Já o capítulo “Opus Dei”, outrora dor de cabeça para ele, dessa vez não será problema. Talvez até atraia simpatia. “Acostuma-te a dizer que não”, do guia Caminho, de Josemaría Escrivá, é um dos ensinamentos mais apreciados por Alckmin. Agora, o político tucano que leva um velho terço de madeira no bolso direito da calça não precisará dizer que não.

Em 2006, o comportamento ambivalente do tucano foi o responsável por sepultar suas pretensões eleitorais