Uma discussão a respeito do melhor filme sobre a Guerra do Vietnã seria inconclusiva: alguns defenderão Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola, outros vão preferir Nascido para Matar, de Stanley Kubrick, ou Platoon, de Oliver Stone. Apesar de documentado à exaustão pela indústria cinematográfica, o conflito no sudeste asiático carecia de um documento literário à altura de sua importância simbólica para o mundo moderno. É o que o renomado historiador britânico Max Hastings pretende resolver com uma obra definitiva sobre o tema: Vietnã — Uma Tragédia Épica (1945-1975).

HISTÓRIA Max Hastings: obra traz entrevistas, depoimentos e extensa pesquisa de anotações e documentos (Crédito:Pako Mera/Alamy live news)

Hastings é um premiado autor de 26 livros, a maioria deles sobre guerra ao redor do mundo. É conhecido pelo acesso privilegiado a documentos sigilosos e pelo conhecimento estratégico dos combates, mas principalmente pela tentativa constante de responder a uma simples pergunta: “como era estar na guerra?”. Para isso, recorre a cartas, entrevistas, jornais locais e relatos que permitem a reconstrução do contexto social durante o período abordado. No caso de Vietnã não foi diferente. A obra é uma coleção equilibrada de fatos militares e depoimentos que permitem um entendimento apurado dessa guerra que teve uma grande diferença em relação aos confrontos europeus anteriores: a cobertura em tempo real e a atenção midiática sem precedentes. Segundo o autor, esse excesso de imagens fez com que o Vietnã exercesse uma influência cultural maior sobre sua época do que qualquer outro conflito desde a Segunda Guerra.

LANÇAMENTO “Vietnã –Uma Tragédia Épica” Max Hastings
Editora Intrínseca 847 págs.
Preço: R$ 79 (Crédito:Divulgação)

Hastings cita como exemplo duas fotos históricas que contribuíram para o desgaste do governo americano frente à opinião pública: a do chefe de polícia de Saigon executando um prisioneiro vietcongue, em 1968, e a de uma menina chorando, nua, correndo após ser atingida por um ataque de gás napalm, em 1972. Hastings, ainda, destaca que Hanói, capital do norte do país, sob influência comunista, não divulgava nenhuma imagem e mantinha sigilo total sobre suas igualmente cruéis ações. Embora não use o termo “narrativa”, tão comum nos dias de hoje, ele afirma que a transparência da imprensa na divulgação das atrocidades americanas, em contraponto ao silêncio em relação ao que fazia o inimigo, criou uma avaliação assimétrica sobre o papel dos players no conflito. O livro aponta que ambos os lados cometiam crimes de guerra, embora apenas os EUA aparecessem como culpados. Isso gerou um movimento na opinião pública que minou ainda mais o discurso americano e dissipou qualquer justificativa para uma ação militar tão longe de casa. Outro aspecto interessante da análise é que os EUA são constantemente apresentados como os derrotados, mas a verdade é que a maior vítima dessa tragédia humanitária foi mesmo a própria população asiática. É bom lembrar que, oficialmente a guerra se deu entre o Vietnã do Norte, insuflado pela URSS, China e países comunistas, e o Vietnã do Sul, apoiado por tropas americanas, australianas e sul-coreanas. Morreram, ao todo, mais de três milhões de habitantes do Vietnã, mas também do Laos e Camboja, países da região. Só para se ter uma ideia do desequilíbrio da violência, para cada soldado americano morto, morreram cerca de quarenta vietnamitas.

Embora a guerra tenha durado três décadas, de 1945 a 1975, o período que conhecemos pelos filmes e documentários mostra apenas os últimos dez anos — portanto, deve ser analisada no contexto da guerra fria. Os EUA se basearam na “teoria do dominó”, que pretendia evitar a influência comunista ao redor do mundo. O sinal vermelho teria sido dado por Cuba e a crise dos mísseis de 1962, quando o mundo chegou muito perto de uma guerra nuclear. Hastings detalha ainda a confusa visão do ex-presidente americano Lyndon B. Johnson e de seu então poderoso secretário de Defesa Robert McNamara. A sucessão de decisões incorretas levou o conflito regional a uma escala global. A frase de Johnson à época foi definitiva: “a vitória da América dependerá dos corações e mentes das pessoas que moram no Vietnã”. A falta de conexão com a população local foi o maior adversário dos EUA fora dos campos de batalha.